(Escrita e publicada em maio/2012 e
reposicionada)
Singravam as águas do Rio que parece mais um mar, vindos do Estado do Pará, um dia um e outro dia o outro, os navios Augusto
Montenegro e Lauro Sodré. Como se possuíssem relógio inglês, sempre passavam na madrugada, na comunidade de
Varre-Vento. Nunca os avistávamos navegando juntos! Um dia era um outro; outra vez, era o outro. Iluminavam tanto que
passei a chamá-los de “cidades flutuantes”, porque conseguiam clarear toda a casa de
madeira coberta de zinco e palha.
Ah, que saudades tenho das duas
“cidades flutuantes”, que causavam alegrias e que desespero quando avistadas ao
longe!
De tanto meu pai, acordar, na
madrugada, para colocar a canoa a salvo das fortes ondas produzidas pelos dois
navios, decidiu puxá-la para a terra todas as vezes que precisávamos usá-la,
por pura necessidade, para deslocamentos alguém da família à remo pelos
rios. Assim, de madrugada, em torno de 3 horas da manhã, deixamos de acordar
para puxar a canoa. Era apenas para apreciar o suave deslizar dos navios
embicando água para os lados, produzindo fortes, terríveis e
desesperadores banzeiros, que muitos caboclos aproveitavam para “pegar
ondas” em pequenas canoas indo para cima e para baixo, como se fosse um
balé sem música!
Ah, como eram deliciosas e
preocupantes a passagem dos dois navios da Enasa, lindos, grandes, maravilhosos
e bastante iluminados. Na mente da criançada de Varre-Vento, que nunca tinha
visto tantas luzes juntas em um mesmo local, eram apenas duas “cidades
flutuantes andantes”, transportando pessoas com sonhos, alegrias e tristezas.
Como seriam possíveis tantas
lâmpadas, dentro das “cidades flutuantes” de nossas imaginações, navegando
suavemente pelo rio que parece mais um mar de água doce? Nunca tinha visto nada daquilo e ficava imaginando “como será que conseguem andar as lâmpadas, acompanhando os navios?”
“Ou não acompanhavam? Estavam dentro dos navios?”
Eram perguntas que só comecei a
entender as respostas depois que meu pai, anos depois, colocou luz elétrica em
nossa casa, ocasião em que fiquei gostosos momentos acendendo e apagando uma
lâmpada incandescente presa em um fio branco pendurado na sala, terminando em
uma chave redonda branca com o plug que fazia “tec” quando acendia e “tec”
quando apagava. Fiquei brincando admirado, acendendo para ouvir o
“tic-tac” e observar o filamento da lâmpada transparente acendendo e apagando.
Será que Thomas Alva Edison, inventor
de 2.332 patentes,também chamado de “O Feiticeiro” ou "Menlo Park”
sentiu a mesma emoção que tive, quando acendeu o filamento de sua primeira
lâmpada elétrica, pela primeira vez?
- Para com isso, meu filho? Você
parece um bobo acendendo e apagando essa lâmpada!!
Era meu pai, me chamando à
atenção porque eu acendia e apagava a lâmpada, sempre olhando para ela, ouvindo o gostoso som aos meus ouvidos do “tic-tac”; tudo só
para ver o filamento clareando e depois escurecendo o ambiente.
Não!
Não estava bobo! Só queria mesmo
saber como os navios Augusto Montenegro e Lauro Sodré, conseguiam navegar pelo
Rio que parece um mar de água doce, com tantas luzes acesas? Será que tinha uma chave única para ligar
todas ao mesmo tempo?
Mas nunca saberei a resposta às
perguntas, pois minha família não tinha dinheiro para comprar passagem nas
“cidades flutuantes” de minha imaginação e eles também não paravam em
Varre-Vento. Depois de ter nascido no Morro da Liberdade, retornei para Manaus
para estudar, em 1969, em motor regional, todo em madeira! Mas as luzes não me
pareciam iguais aos das “cidades flutuantes” de minha imaginação infantil!