quarta-feira, 15 de abril de 2015
RETORNO AO MEU PASSADO II (homenagem aos Calado)
Embora tenha me emocionado várias vezes, não permiti que as lágrimas contaminadas por remédios lavassem as lembranças que guardo no coração da gratidão que tenho pela família Calado, especialmente meus padrinhos.
Reencontrei Francisco Januário Calado, aos 87 anos de vida, viúvo de Natércia Calado, a “Nega”, como ele a tratava e a chama até hoje, embora falecida em 1995. Nascido em 1928, aos seus 87 anos de idade, hoje com problemas de audição provavelmente pelos anos em que fora tratorista no Departamento Estadual de Estradas de Rodagem – Der-Am, ele continua morando com parte de seus filhos, noras, genros, netos e bisnetos e tataranetos, mas em outra casa no Conjunto Nova República porque teve que deixar a sua Rua São Benedito, onde morou durante 50 anos de vida. A sua casa foi desapropriada pelo progresso e indenizada pelos aterradores do Igarapé do 40, no qual tomava banho e nadava nas suas águas brancas, transparentes e com areia no fundo. Era lindo!
Dos 11 filhos que teve com Natércia Calado, fruto do amor que começou quando se casaram, ela, ainda jovem, com 18 anos de vida, o patriarca Calado continua cuidando de sua grande família, mas o percebi meio triste, talvez com saudade de sua companheira. Nas poucas vezes que frequentei o bairro do Morro da Liberdade, procurava reencontrar a casa onde morei na infância, transformada em Escola depois do falecimento de Natércia Calado, mas nada reconhecia. O beco São Benedito, onde nasci, hoje é uma rua. A Rua São Benedito também mudou de nome e hoje se chama Rua Dona Mini, em homenagem à mãe do empresário Clodoaldo Santos, proprietário de uma transportadora, que passou a residir no bairro anos mais tarde. Por que não colocaram Rua Natércia Calado?
Talvez tenha sido porque minha madrinha tivesse uma vida pacata, com pouco dinheiro, nunca se envolvera em política e só cumpria o dever do voto imposto para não perder seus direitos civiis de alguns privilégios e nem pagar multa à Justiça Eleitoral! Seus últimos quatro anos de vida – e sempre que a via, ela estava deitada em uma rede, mas mantinha uma beleza que só ela sabia ter, uma beleza de alma, de coração e de espírito. Nunca a via triste, mesmo na rede. Francisco Calado me disse que ela comandava a casa toda mesmo deitada. Recordo-me sentado no sofá da sala, depois das 15 horas, pedindo para ligar um aparelho de TV preto e branco que só transmitia o Canal da TV Ajuricaba. Ficava intrigado com os pontos negros na tela correndo para um lado e para o outro como se loucos fossem. Mas não eram. Depois aparecia o símbolo do índio, as músicas e, em seguida, começava a programação com filmes seriados: Rintintin ou Zorro, geralmente.
Reencontrei meu padrinho no portão de sua casa, nos abraçamos, dei-lhe um beijo no rosto e esbocei com um princípio de choro emocionado. Depois, Francisco Januário Calado me mostrou um “retrato” em preto branco, de sua “Nega” aos seus 18 anos, restaurado devido o tempo. Ela era linda.
Minha convivência com os Calado – Doca, que me chamava de “vestibulando”, Cosme, Doroteia, Conceição, Chaguinha, Gonzaga, Manuel, os mais frequentes, começou em 1968, quando deixei a comunidade do Varre Vento para estudar em Manaus. Dormia no mesmo quarto “Chaguinha”, o “Xaxá”, como todos os chamavam, inclusive eu, aos 8 anos de idade. “Eles são do mesmo ano, diferença de um mês e vão se dar bem”, lembro da Doroteia ter me dito isso, à mesa do almoço. Naquele ano, cheguei à casa dos Calado, de táxi, entregando o endereço ao motorista e perguntando se ele sabia onde era porque eu não sabia, acompanhado com uma maleta de madeira construída pelo meu pai Paulo Costa e, dentro dela, meus poucos pertences.
Vinha para Manaus para estudar no Grupo Escolar Adalberto Vale. Natércia Calado, providenciou a matrícula e não devo ter sido dos piores alunos do Grupo, embora fosse um pouco peralta, ter quebrado a testa pulando a janela, na quarta série, ter sido socorrido no carro da diretora Alda Figueira Pérez, considerada linha dura e ter medo do barulho vindo do “Batuque da Mãe Zulmira”, que ficava próximo ao Grupo. Aliás não era medo, era pavor mesmo, tantas as histórias que meus colegas contavam sobre sacrifícios de animais e outras fantasias infantis. Mas nada era verdade!
Durante meu reencontro com meu padrinho, almoçamos juntos e ele voltou a falar de sua “Nega” e novamente lágrimas cheias de remédios que tomo há 10 anos, teimaram em embaçar meus olhos, não o suficiente para não me permitir me ver correndo como um moleque serelepe, empurrando “carros compactadores”, com meu amigo João Couto da Silva, que não o vejo há muitos anos também, imaginando os tratores que meu padrinho transportava, ouvindo o estridente barulho de seus motores, possível razão de sua surdez parcial. Cosme Calado já tinha me avisado desse problema e pediu que eu falasse sempre alto perto dele, mas não foi necessário porque nunca recuperei totalmente meu tom de voz depois das 11 cirurgias a que fui submetido no cérebro desde 2006. Lembro que eu e o João Couto da Silva corríamos para cima e para baixo, só para deixar a areia do campo do Bariri, bem compactada. O campo e o time do Olaria, eram comandados pela família de Dona Rosa, uma comerciante da Rua. Puxar carros compactadores, empurrar aros de bicicletas com um arame ou pneus de carros, eram nossa principal diversão. Sempre fazia isso, me imaginava não ser ninguém, me imaginava sempre despreocupado e livre, me imaginava sem qualquer responsabilidade. Só queria saber de correr feito louco e estudar. Afinal, não fora para isso que vim para Manaus?
Considero-me um irresponsável porque cresci, casei aos 20 anos pela primeira vez em 1980 e, em 1998 pela segunda vez, com Yara Queiroz, com quem tenho um filho em comum de 17 anos, mas nunca esqueci as brincadeiras infantis correndo pela rua que hoje se chama Dona Mini, mas para mim e para muitos, continuará sendo Rua São Benedito, porque poderia ser Rua Natércia Calado, que viveu seus últimos quatro anos de vida deitado em uma rede, administrando a vida de seus filhos e fazendo-os de todos homens e mulheres professores, ganhando péssimos salários!
Ser professor é uma vocação como ser padre também o é. Mas será que não poderiam ter um salário mais digno no exercício de suas atividades para se dedicarem ainda mais. Hoje, um professor com mestrado e doutorado ganha menos do que um assessor com o segundo grau nos principais cargos do Congresso Nacional.
Será que isso é certo?
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Gostei muito, obrigada por trazer tão bem nossas lembranças. Abraços. Boa noite
ResponderExcluir��������������relembrar é viver
ResponderExcluirUm professor na Suécia tem metade de um salário de um deputado...Mas a Suécia!
ResponderExcluirMuito boas recordações Carlos Costa. Um fragmento de memória bem vivo e emocionante,para além de uma crônica jornalística. Parabéns.
ResponderExcluirBacana sua crônica. Parabéns.
ResponderExcluirAo Amigo e Irmão Carlos Costa
ResponderExcluirMuito Obrigado por todas as Palavras. Sinceras com Relação å Famî lia Calado.(Mano)
Desejamos a você que Deus Ilumine sempre essa super Inteligêncoia.
é a vida da vira-volta,meu padrinho ja se foi ha muitos anos,ele era meu tio e foi prefeito de Parintins,tenho,imagens ate hoje quando,fiz 15 anos e cheguei na prefeitura vi umas pessoas na fila com vaca,tartaruga e carneiro.A primeira pergunta,foi o que essas pessoas estao fazendo ai nessa fila com animais?Espontanhamente,ele me deu a resposta.Eles queria o titulo definitivo,dos seus terrenos e eram lavradores,simples.nao perguntei,mais nada do meu padrinho.Ele nao podia fazer,muita coisa.Minha madrinha,vive ate hoje e respeito muito.Hoje padrinho e madrinaha é passado, para os jovens,o passado vive o presente.Meu padrinho,sempre foi importante,como minha madria é ate hoje.
ResponderExcluirParaben! Carlos vc volta no tempo.
E obrigada,tuas cronicas,sao para mim as melhores
Daqui
Maria Botelho Hirschi
Swiss