(Crônica escrita em 2005 e reposicionada no blog)
Grávidos de redes e dentro das quais engravidam mulheres também, os barcos regionais zarpam do porto de Manaus, a qualquer hora do dia e da noite e cruzam os rios Negro e Solimões, transportando homens, mulheres e crianças tristes por constatarem que na capital não é mais local para realização de sonhos, por culpa do desemprego nas indústrias, violência, falta de saneamento básico e grande riqueza das indústrias que exploram a mão-de-obra dócil e barata, sem qualquer contrapartida social.
Em meio à quietude e escuridão do Rio Negro e das
barrentas e violentas águas do Rio Solimões, os barulhentos barcos regionais,
sob as bênçãos de Deus, deslizam sob o olhar atento da lua e das estrelas,
transportando a desilusão da ilusão de pessoas que buscaram realizações
profissionais na capital e que retornam com a certeza de suas frustrações pela
falta de oportunidade de emprego, ainda vivos diante da violência que mata sem
perguntar nada, livres das drogas ou envolvidos com elas, mas tentando
abandoná-las. Enfim, é uma cena triste, mas real e os barcos apenas ajudam a
transportar passageiros sem lhes fazer quaisquer perguntas.
Durante o dia, botos navegam acompanhando os barcos
regionais, mas, ao contrario das lendas, não se transformam em homens elegantes
de branco e não engravidam moças incautas que apenas sonharam com seus príncipes
encantados que não os encontraram como desejavam entre os jovens que conheceram
e namoraram na cidade grande! A esperança poderá estar no próximo porto, no
próximo namoro – quem sabe não seja um príncipe encantado de verdade?
Muitos se perderam pelos caminhos tortuosos dos
vícios, nas vielas sombrias, fedorentas, escuras e esburacadas da capital e
derraparam em seus sonhos. Decidiram retornar para terem as mãos calejadas em
suas terras, fugindo da agressão da polícia em despejos de terrenos realizados quase
sempre com uso da força; é melhor um calo na mão de um cabo de terçado ou
machado do que viver correndo da polícia na capital em busca de um pedaço de
terra que podem chamar “de meu”.
Chorosos, com mãos vazias, levam saudades e certeza
de que o sonho acabou antes de ser iniciado, acenando para pessoas tristes pela
partida, com os sonhos desfeitos transportados dentro dos motores regionais.
Na escuridão das noites, as luzes derradeiras da
cidade grande ainda clareiam o barco regional que vai deslizando com suavidade
e sem afundar nos rios não balizados, tristes por transportarem pessoas tristes
também.
Um sonho acabou; mas, outro poderá começar no
próximo porto!
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