Como se fosse um espelho
curvo, as cores do barco eram refletidas na água de forma retorcida e, balançando pelas
ondas, me deliciavam de forma estranha.
Era muito bonito olhar para aquela imagem estranha refletida na retina de meus
olhos. O motor principal, amarrado a um “batelão” (casco grande e sem motor), transportava
galinhas, patos e umas poucas vacas de leite da família “para se tirar o
próprio leite”. O motor deslocava da comunidade de Varre-Vento à comunidade de
Ajaratuba, dentro do município de Itacoatiara, com a mudança. Seguia lenta, mas
firme a embarcação e eu apreciava tudo com olhar fixo de um menino que queria “ser
alguém na vida”!
O leve banzeiro das ondas,
os botos pulando à frente do casco de madeira do motor, os pássaros voando ao
longe, o sol azul e a máquina que o impulsionava o motor batendo de forma seca
e constante, me davam a impressão de que aqueles mamíferos, os botos, estavam
fazendo uma grande festa. Talvez estivessem mesmo festejando nossa chegada ou
nossa partida triste: era a mudança de um lugar para o outro, dentro do mesmo
Estado, três dias de distância.
Enquanto eu admirava o leve
banzeiro das ondas que produzia o motor, também apreciava o bailar dos botos e
me admirava com a grande quantidade de fumaça negra expelida pela lateral, saindo
de uma chaminé. Admirava o embeiçamento
provocado, cortando as águas, de forma lenta, contínua, firme e determinada a
chegar ao seu destino: uma fazenda de gados de um amigo empresário da capital conhecido de
meu pai, cheia de casas e com luz elétrica de grupo gerador, mas que desligava
sempre no mesmo horário. Parecia até que a hora era programada!
O cachorro que se chamava
“Téu”, depois de três dias seguidos do barco, começou a se impacientar e pulou
na água. Meu pai mergulhou e foi buscá-lo. Ainda nada muito bem o meu “velho”
de hoje! Os outros animais também já começavam a se irritar com a demora.
Na saída do Varre-Vento, membros
da família de meu pai se despediram de quem partia usando os chapéus e panos
brancos nas mãos, balançando-os no ar.
Parecia até um balé triste
de chapéu e lenços brancos!
Mas era lindo se comparado
ao choro dos maiores, porque todos os menores só queriam saber de conversar, saber o que encontrariam em “Ajaratuba”e fazer
planos para quando chegassem. O que haveria lá? Por que nossa família decidira mudar de uma
comunidade à outra sem mais nem menos, aceitando uma mudança tão demorada? Era
a pergunta que todos se faziam, enquanto minha mãe e meu pai Paulo se
preocupavam com a falta de comida no motor para servir à meninada.
Em Ajaratuba, fomos
recebidos com desconfiança e isso foi recíproco porque também desconfiávamos de
todos. Mas pelo menos teria energia elétrica de um grupo gerador da fazenda. No
terreno, muitas casas estavam prontas e nossa família ocuparia uma delas.
E assim, seguimos viagem
dentro do mesmo Estado do Amazonas, marcado por longas distâncias e aonde as
estradas são os rios e os motores regionais são os ônibus e “batelões” “barcaças”
ou balsas só servem o transporte de carga. Esses são os únicos meios de
deslocamentos possíveis, nesse Estado-país. Ah, as canoas que também navegam
pelos rios que parecem oceanos é uma herança dos índios que viveram no Amazonas
e todos os legítimos donos dessas terras que os colonizadores “invadiram” para
colonizar: não se descobre o que já é
habitado.
Imagino o que não teria sido essa viagem de tres dias.Também fiz uma,idêntica,atravessando o Rio Zaire,de Cabinda até Sazaire (na altura Stº António do Zaire). Ainda era uma miúda e ficou-me,para sempre,na memória...
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