domingo, 9 de junho de 2013

UM ROUBO SANTO

 
(Texto extraído do livro CRÔNICAS COMPROMETIDAS COM A TUA VIDA, de Carlos Costa – 2ª Edição, Ed. Nacional – PA, 1990), realizada com o apoio cultural de George Barreto e David Fernandes Júnior – da empresa Intercontinental (instrumentos musicais).

 
 
Estava aborrecido em seu quarto de dois por dois, com um banheiro no fim do corredor. Era um quarto horrível, mal-cheiroso, sem muita luminosidade. A janela abria para a rua, mas não adiantava abri-la. A poluição era muito grande e havia a poeira que subia a cada vez que passava um carro. De onde estava, podia ver crianças correndo, ratos entrando nos buracos, mulheres rodando suas bolsas, expondo seus corpos e homens buscando as poucas virgens entre aquelas crianças. Havia insetos e, por isso, ele estava aborrecido.
 
Com a janela aberta, havia ainda o barulho chato vindo de um bar que funcionava do outro lado da rua. Lá, tocavam todo tipo de música, sempre em alto volume, enquanto homens e mulheres, minuto a minuto, entravam e saíam de quartos que havia nos fundos.
 
Dentro do quarto de dois por dois, pontas de cigarros rolavam pelo chão, enquanto no final do corredor o banheiro exalava mau cheiro, talvez porque algum pobre coitado tenha se esquecido de puxar a descarga. A roupa estava jogada pelo chão, algumas sujas, outras limpas, e foi difícil encontrar uma que tivesse condições de ser usada.
 
O sapato, onde está o sapato? Encontrou-o dentro do lixeiro. Acho que foi brincadeira da arrumadeira. E as meias? Saiu sem elas, só com calça, camisa e sapatos. Apanhou uma carteira de cigarros, colocou-a no bolso e desceu as escadas, tropeçou com um hóspede totalmente bêbado e saiu à rua. Antes, olhou para o bar e sentiu vontade de entrar mais desistiu.
 
Desceu rua abaixo e dobrou a esquerda, chegando a uma praça cheia de mulheres, que eram mulheres esperando mulheres. Lentamente, olhando para tudo e todos, como que admirando tudo aquilo que estava acostumado a ver todos os dias, desceu mais a rua e andou a toa por alguns minutos. Seus pensamentos estavam confusos. O diabo do quarto de dois por dois não lhe saia da cabeça. Acendeu um cigarro, soltou uma bofarada e sentiu um rápido frio.
 
Não disse nada. Caminhou e parou para ver um grande prédio que, gulosamente engolia toda a vista do outro lado. Sabia que havia alguma coisa do outro lado e resolveu caminhar mais. Novamente parou, jogou o cigarro e entrou. Não ficou espantado.
 
Tirou os sapatos e os deixou à porta, caminhou alguns passos e se deteve à frente da imagem de Nossa Senhora. Era isso, era isso que lhe faltava para tapar o vazio do quarto de dois por dois. Olhou para os lados, não viu ninguém.
 
Hoje, em seu quarto de dois por dois, a imagem de Nossa Senhora, roubada da igreja, descansa na cabeceira de sua cama. Leu no jornal sobre um roubo. Não ficou com remorso. O padre, coitado, acusou uma quadrilha organizada como sendo a responsável pelo roubo.
 

Fez o sinal da cruz e foi dormir mais tranqüilo naquela noite. Não estava mais sozinho ou angustiado, pois tinha praticado um “roubo santo”.

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