sexta-feira, 4 de maio de 2012

"SERÁ QUE COMETEMOS UM PECADO?" (*)

- Acordem meus filhos, acordem,  entrem no banheiro e passem uma água em seus rostos porque vocês estão horríveis! Parece até que tomaram um porre!!  E tínhamos tomado mesmo, com vinho do padre e ainda comendo hóstias como tira-gosto! Era só o padre Bruno que chamava a mim e ao João Fernandes. 

Depois do porre do “vinho do padre”, tirando gosto com hóstias que estavam dentro de um saco de pano, deitamos e fomos dormir dentro da sacristia da Igreja de Dom Bosco. Hóstia tirada de dentro do saco, podia servir como tira-gosto; do local bento, dentro da sacristia, não podia  porque “era pecado”.

Tudo começou assim: eu e o João Fernandes fomos designados para “arrumar” a igreja para a missa do domingo na Igreja Dom Bosco.  Entramos, encontramos “o vinho do padre” o “saco de hóstias” não bentas.  Tivemos uma idéia, que nos pareceu brilhante:

- Vamos beber o vinho do padre?

- Mas ele é muito forte!

- A gente faz como o padre: coloca água dentro do vinho! Assim ficará mais fraco, aconselhou o João Fernandes, já com a mão na garrafa de vinho e a outra no saco com hóstias.

E assim fizemos: tomamos um porre e, ao sermos acordado pelo padre Bruno,  estávamos deitados no chão, com uma dor de cabeça horrível e pensei:

“Será que cometemos algum pecado mortal?”

Não, acho que não. Afinal, o vinho e as hóstias estavam “preparados” e dentro da “sacristia”. Mas, afinal, o que seria um pecado a mais ou a menos para dois jovens coroinhas adolescentes e irresponsáveis?

Deixamos o interior da sacristia com caras de bobos e fomos nos lavar no banheiro em um chuveiro coletivo, ao lado da Igreja!

Por falar em João Fernandes, veio à minha memória um fato que aconteceu quando subiu em um trator sem nunca ter dirigido nada na vida e apagou um com onze ou doze anos, não lembro mais, ao lado de sua residência, no “Beco do Emboca”, em Santa Luzia.

Lembro também de outros colegas adolescentes, que eram  “coroinhas” na igreja Dom Bosco em Manaus, durante projetos sociais mantidos com recursos da extinta Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor -Funabem, comandada pela Assistente Social Eleonora Péres, que patrocinava cursos técnicos para menores aprendizes, que também consideravam João Fernandes um herói, como eu. Fui um desses menores e participei de vários cursos de serralheria, montagem de rádios, telegrafia, datilografia, produção de pães e muitos outros, mas, por incrível que pareça, desaprendi tudo! Só me restaram lembranças boas dessa época e de minha mãe mostrando para todo mundo uma foto de jornal, ao lado de outros menores,  em que eu aparecia. “Tá aqui,  olhe! Esse é meu filho!!!”

Como eu e João Fernandes, outros poucos compunham e jogavam futebol no time do “Pequeno Clero”, o “time do padre Bruno”. Era uma alegria e uma honra fazer parte do “time do padre”, como a molecada falava. O adolescente que fosse escolhido para compor o time do “Pequeno Clero,” tinha que ter boas notas na escola em que estivesse matriculado, bom comportamento e ser obediente e, ainda, ser coroinha durante as missas rezadas pelo padre Bruno na Igreja Dom Bosco, pela tarde ou no Patronato Santa Terezinha, às 7 horas da manhã. Eu gostava de ajudar nas missas no Patronato porque, ao final, serviam um excelente café da manhã.

Muitas vezes deixei cedo minha casa, sem tomar café, esperando terminar a missa para degustar o café servido na igreja, com coisas que minha família não tinha condições financeiras para comprá-las.


(*) Em memória de João Fernandes que, segundo seu irmão, o promotor de Justiça Mirtinho Fernandes, já falecera.