sábado, 30 de agosto de 2014

CRÔNICA MUSICAL PARA ALVINA


Fui recebido à porta por um LP bolachão preto de Clara Nunes, andando na areia da praia e a água do mar lhe batendo aos pés. Encontrei a “Clara Guerreira”, agora silenciosa e desprezadamente guardado dentro de um saco plástico, junto com vários outros Lps de cantores também desprezados. Era uma casa simples, humilde, grande e confortável da amiga Alvina, que respira músicas de bolero, latinas e violão pelos poros de suas paredes, portas e janelas. Alvina abraçou-me e me arrastou para o quarto onde estavam a filha “Maroca”, a irmã Raimunda e minha esposa Yara Queiroz  Sentei com ao seu lado na cama para ouvir boleros interpretados por Eydie Gorme e Trio Los Panchos, que tocava. Ela me puxou para dançar como fazia antes. “Não tenho mais o mesmo equilíbrio que tinha antes”, disse-lhe. Alvina é  divertida, alegre, cheia de vida, mesmo perdendo a voz devido a um câncer na garganta, se divertia e ria sentada na cama cada vez que puxava para dançar e eu dizia que não tinha mais equilíbrio.

Não vi, mas dentro da sacola deveriam existir mais Lps de Pedrito, Cauby Peixoto, Carlos Alberto, Moacir Franco, Nélson Ned, Nélson Gonçalves, Aguinaldo Timóteo e talvez muitos outros mais. Eu e ela, sentimos as letras perfeitas das músicas e encontramos beleza, harmonia e a narração de história de um amor que acabou ou que está se iniciando com intensidade. Essas delícias do passado hoje são desprezados, pelo imediatismo de gravadoras, que desejam sucessos instantâneos, mesmo que sejam esquecidos em seguida e ninguém nem lembre o nome de suas músicas sem beleza...Os cantores que tinham voz, se esmeravam nas composições e faziam letras que nos transportavam por mundos imaginários. Essas maravilhas musicais recentes perderam seus espaços na mídia. Hoje a música é meramente comercial de venda imediata. Muitos cantores como José Augusto e Fernando Mendes, que chegaram a gravar um LP juntos e mais outros como Moacir Franco, Benito de Paula, só para citar alguns, que tinham qualidade, voz e faziam sucesso no passado, perderam espaços.


De origem germânico, Alvina é uma nobre amiga, mas talvez não seja só isso: é uma amiga nobre que transpira felicidade musical em tudo que vê e sente. Perdeu a voz, mas não perdeu a alegria de viver e o gosto pelos boleros e músicas latinas de primeira qualidade, que eu também gosto. Alvina tem a incrível facilidade de unir a felicidade e combiná-la com um bom humor e simplicidade. Gostamos de visitá-la, quando podemos, no meio dos afazeres de minha esposa.


Alvina, colocou um CD de Dilermando Reis, produzido a partir de um LP, pelo  Dj Raidy Rabelo. Gostei, mas não muito porque nele não ouvi a música “Abismo de Rosas” que marcou minha geração. Depois foi colocando outros CDs de bolero e eu dizia: “essa música foi composta por Roberto Cantoral” . Alvina apontava o dedo para cima fazendo um gesto de positivo e tentando falar por um aparelho que possuía na garganta, mas saia nada. No passado, ela sabia que eu gostava de dançar bolero e via a felicidade que sentia no olhar ao ver-me rindo com suas brincadeiras ao puxar-me para dançar. Muitos abraços recebi da amiga que aprendi a admirar, respeitar e reconhecer suas qualidades musicais. Raimunda e sua filha Maroca, disseram-me que o que a Alvina mais tem é LP antigo. Dilarmando Reis era um deles. Eu procurei ler se tinha a música “Abismo de Rosas”, registrado no CD que ela transferira de LP e o transformou em CD, mas não a encontrei. Essa música, tocada em violão, serviu de valsa de 15 para muitas pessoas no passado. Era raro o Baile de Debutantes  que  não a música servisse de valsa e  eu esperava ouvi-la para recordara música tempos de minha juventude.

No passado, frequentei poucas festas em casas de amigos, ao som da Vitrola Nivico, tipo um móvel, de pé, tocava Lps bolachões pretos, que encontrei aos montes na casa de Alvina. As “eletronas” mais modernas, como se dizia no passado, chegavam a aceitar até 8 Lps ao mesmo tempo que, automaticamente, eram liberados um a um. Só tinha um problema: em piso de madeira, na maioria das casas, pulava e arranhava o disco, danificando-o, tornando-o inutilizado porque o chamavam de “disco furado” e engatava repetindo sempre os mesmos acordes musicais. Eram as famosas “brincadeiras nas casas dos amigos”, que eu, quando podia frequentava, mas nem sempre, porque eu tinha que dormir cedo e acordar de madrugada. As “brincadeiras” começavam sempre em torno de 20 horas e terminavam no máximo às 23 horas. Hoje, infelizmente e para desespero das famílias, as festas começam sempre depois da meia-noite e terminam no outro dia, quando os primeiros raios de sol começam a aparecer. Isso só acontecia no passado em bailes de carnaval quando ele eram encerrados sempre com duas músicas célebres que marcaram época, Corre, Corre  Lambretinha (corre, corre, lambretinha/pela estrada além/corre, corre, lambretinha que vou ver meu bem),  e em seguida “Quem parte leva saudades”  “(quem parte leva saudade de alguém que fica chorando de dor/por isso não quero lembrar, quando partiu meu grande amor)”, composições inesquecíveis de Emilinha Borba e todos se encaminhavam  à porta e deixavam um a um a festa e as portas eram fechadas.

Quando a porta de Alvina me acompanhou até a sua porta, abraçou-me de novo e me deu de presente o CD de Eydie Gome e Los Panchos, para que eu o ouvisse, o que estou fazendo agora, com fome no ouvido. O dueto é maravilhosamente afinado, embora sejam grupos musicais de estilos bem diferentes

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