quarta-feira, 27 de agosto de 2014

"O MARTÍRIO DOS VIVENTES"!


Era uma roupa de couro que estava caminhando ao meu encontro? Não! 

Era só um homem com o semblante feliz, coberto por uma roupa de couro típica de nordestino, me oferecendo um exemplar de seu livro O MARTÍRIO DOS VIVENTES, em sua 6a Edição. Era uma pessoa nascida no mesmo ano que eu, de 54 anos, mas aparentava bem mais jovialidade que eu, que se tornara professor como eu e especialista em Educação; eu, na área social. Era Paulo Cavalcante. Comprei um livro em um bar, onde acompanhava minha esposa Yara Queiroz, que se divertia com sua amiga Josyane Farias, olhando o fantástico mar, no Estado da Paraíba! 

Por que “MARTÍRIO DOS VIVENTES”? ´É o registro com tintas fortes da seca vivida por sua família em Caraúbas, nos anos 92/93, na Paraíba, na microrregião do Cariri, em seu Estado. De presente, veio um cordel SECA NO SERIDÓ, só para ficar mais típico registro da cultura de seu lugar e sua origem do campo, também como eu que nasci em Manaus e fui morar, ainda criança, na comunidade do Varre-Vento, retornando à capital mais tarde, em busca de estudos.

Como dou todo o dinheiro para minha esposa, ela, sabendo que gosto de ler, me perguntou “quer o livro? Eu o compro para você!”. Pagou 10 reais e o professor formado em história pela Universidade Estadual da Paraíba, saiu satisfeito e, eu feliz, por ter adquirido uma obra fantástica que degustei, à borda da piscina do condomínio onde resido, em Manaus, letra por letra, palavra por palavra. Me emocionei em algumas passagens da história, por me ver nas personagens surgidas com letras fortes, na pele de minha família, também de origem pobre. Me senti na pele das personagens do autor, não propriamente pelo drama narrado. 

As verdades que afirma me fez lembrar, em certos momentos, o livro A BAGACEIRA, de José Américo de Almeida, lançado pela primeira vez em 1928, em uma linha realista e denunciante. Depois de A BAGACEIRA, literatura nordestina e nunca mais ela foi a mesma, porque nas palavras do sociólogo Gilberto Freyre, Ivan Bichara Sobreira, o pensador católico Tristão de Ataide e João Guimarães Rosa, autor da clássica obra “GRANDE SERTÃO, VEREDAS”,  foi um livro renovador, até na  linguagem literária! A obra O MARTÍRIO DOS VIVENTES, de Paulo Cavalcante, não fica muito distante disso! Tem tintas fortes e meditativas em muitos pontos da obra, mostrando o amor do nordestino pela sua terra e esperando só um “pouco de chuva” para plantar sua roça de feijão, tocar seu gado.

De uma forma indireta, Paulo Cavalcante, explica porque o Brasil foi colonizado pelos nordestinos, embora não tenha sido esse seu desejo, mas como historiador, ele atingiu seu objetivo. A migração nordestina foi responsável pelo desenvolvimento da borracha no Amazonas, da construção de Brasília, do desenvolvimento econômico de São Paulo e, não há, no Brasil, qualquer Estado que não tenha a presença de nordestino como força de mão de obra.

A obra que degustei com tanto prazer, por longo tempo, aos poucos, como se fosse um bolo gostoso que não deve ser comido todo de uma vez, conta o sofrimento de uma família, do solo, dos animais, em um cenário exótico, mas real. Como afirma a contracapa da obra, “MARTÍRIO DOS VIVENTES é um grito de alerta do sertanejo às ideologias presentes e uma busca  de amenizar o sofrimento do sertão semiárido em secas futuras”.

Será que a roupa de couro e o chapéu que usava era só para esconder quem realmente  o autor do livro tinha sido no passado? O escritor, antes, tinha sido camponês, office-boy, copeiro, cozinheiro, balconista e garçom. Hoje, graças ao seu próprio esforço de filho de camponeses, é licenciado em história pela Universidade Estadual da Paraíba e especialista em Edução e atualmente é professor de história, lotado na Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Norte e funcionário na Secretaria de Educação, Esporte e Cultura de Campina Grande-PE.

A fé e a crença do povo nordestino fica evidente na obra e na esperança da chuva para iniciar as plantações. “Roçados limpos e varridos pelos redemoinhos, só faltavam ser molhados pela chuva(...). Assim, esperava-se ansiosamente a chuva como se esperava uma visita importante”, diz o autor dessa obra esquecida pelo grande público, mas reconhecida pelas constantes edições, sempre vendidos de mão em mão pelo próprio autor. Isso é um grande exemplo de persistência e luta, agora também pela cultura e manutenção da identidade do nordestino sofrido, mas com muita fé em todos os santos! Inclusive “São Nunca” por aguardar o atraso de cinco anos nas obras da transposição das águas do Rio São Francisco.




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