quinta-feira, 29 de outubro de 2015

OVO GALADO, UM RITUAL CONTRA A VELA (crônica reposicionada)

Uma vela , um ovo e um olhar, colocando o ovo na frente da vela, eram tudo o que minha mãe necessitava para identificar e separar  “galado”  que eram colocados de volta embaixo da galinha choca, e o que não estivessem,  eram fritos para a meninada, na comunidade de Varre-Vento, no município amazonense de Itacoatiara. 

Não sei como minha mãe os identificava e is separava, mas acredito que fosse pela prática de tantos anos com a lida no campo. Os galados, ela os marcava um a um e, depois, devolvia-os as galinhas que os estivessem chocando, de onde os tirara minutos antes. Tinha que ser um processo rápido entre o tirar e os colocar de volta no ninho. 

Se não fizesse isso, “nem todos os ovos produzirão pintos”, explicava ela para quem desejasse porque todo aquele ritual era necessário.  Os que não estivessem galados, eram fritos, transformados em farofa, misturados com qualquer outra comida - menos o peixe, só em calderadas - e servidos aos filhos famintos, que olhavam o ritual – mais eu, do que os outros irmãos.

Achava interessante o ritual e curioso também. 

Bastava um olhar contra a vela, minha mãe sabia se os ovos estavam galados ou não. “Eles ficam mais escuros, olhando-os contra à luz”, dizia. Com alguma coisa que tivesse à mão – lápis, caneta etc – marcava-os a todos e os devolvia para as galinhas continuarem chocando os mesmos ovos. Galinha chocando é braba, ataca, fica valente, mas continuava no mesmo ninho geralmente feito com palhas para melhor esquentarem os ovos com seu corpo.

Quando uma galinha sumia por alguns dias a mamãe já desconfiava: “deve ter feito algum ninho e está chocando os ovos dela”. Com medo que elas tivessem sido picadas por cobras, muito comum no interior, minha mãe as procurava e identificava onde estavam os ninhos. Tinha medo que algum bicho tivesse se alimentado com os ovos, inclusive cobras.

Depois, com cuidado, retirava-os um a um todos os ovos, os olhava  contra a luz da vela e depois os devolvia à galinha para que ela continuassem chocando seus ovos: “agora tenho certeza que nascerão pintos de todos os ovos chocados”.

Quando os pintinhos nasciam, a galinha a frente e todos  amarelinhos atrás dele, os ensinando a sobreviver, ciscando o chão para descobrir e mostrar aos seus filhos, pela prática, onde podiam ser encontrados os alimentos. A mãe comia e os filhos – os pintinhos amarelinhos faziam o mesmo!

Era lindo ver essas coisas que desapareceram com o progresso, pela falta de terra para que sejam criadas as galinhas. Vai chegar ao dia que a geração jovem só conhecerá galinha de granja ou visitando alguma fazenda nos municípios aonde essa tradição é mantida. 

12 comentários:

  1. Linda crônica.
    Remeteu-me a minha infância!

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  2. Verdade! A nova geração não sabe Só quem tem fazenda ou morou em sitio pode ter Essa A recordaçoes!

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  3. Antônio Correia/jornalist29 de outubro de 2015 às 08:24

    Tempos bons!

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  4. Margarida Barral/Portugal29 de outubro de 2015 às 08:32

    Muito bom, Adorei

    Como foi bom voltar à minha infância.Ainda hoje estas histórias me fascinam...
    Beijo de MARMuito bom. Adore

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  5. História real! vivi esses bons tempos. Aqui mesmo em meu quintal tinha-mos, patos, galinhas, carneiros, bodes, etc...meus filhos acompanharam bem, aprenderam com facilidade, hoje repassam aos amigos da escola que não tiveram essa oportunidadé. Tem mais, eles sempre agradecem-me; 03 fazem Química e Biologia, então, valeu a pena terem aprendido. Bom dia querido.

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  6. José Maria Santana/medico29 de outubro de 2015 às 11:35

    Verdade..Bons tempos de velhas lembrancas de boas práticas

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  7. Muito bom tua história, onde vcs moravam e esse aprendizado q vc via e ouvia de sua mãe sobre o ovo das galinhas chocadeiras. Gostei!

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  8. Era isso mesmo que acontecia lá em casa. Meu DEUS voltei ao passado!!!

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  9. Carlos Costa, parabéns pela cronicaa. Eu fiz muito isso quando criança e agora senti saudades daquele velho tempo . Obrigada por me levar para essas recordações.

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  10. Dueri Barroni Valery/Franca2 de novembro de 2015 às 19:06

    Muito bom!

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  11. Saudades daqueles tempos em que usávamos estas "tecnologias" que geralmente davam certo ... saudades...

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