sexta-feira, 28 de outubro de 2016

ANUM PRETO...


Na comunidade do Varre-Vento, município de Itacoatiara, onde não nasci e vivi antes de vir estudar em Manaus, andava dentro do Cacoal nativo do meu avô, sempre com um estilingue a pendurada no pescoço. Todos meus irmãos e outros meninos também andavam um estilingue no pescoço e eu  os imitava.  Diziam que balar “anum preto” dava um tremendo azar! Talvez  por isso tenha perdido vários estilingues presos em uma espécie de forquilha que servia de mira para balar passarinho, como se dizia.

Não podia ver um passarinho em um galho de árvore que colocava logo na funda de pano,  uma bolinha de barro de tabatinga e mirava rumo ao rumo a ele.  Diziam que se matasse um “anum preto”, teria azar.   Perdi vários estilingues  bons e sem defeitos,  quando mirava rumo ao  ou  pássaro. Ou ele  voava antes do disparo  ou se me visse antes voava do mesmo modo. Antes de voar, porém, só de olhar quebrava o  estilingue feito com tiras finas de pneus. Seria verdade a fama?

Até o dia que acertei em um “anum preto” e ele caiu ao chão se debatendo todo.  Juntei o pássaro agonizante no chão, com muita pena do animal e, como imitador que era,  fiz o que via minha mãe fazendo com as galinhas do quintal quando matava uma para o sustento da família:, torci o  pescoço do indefeso pássaro, o  coloquei apoiado na coxa e puxei de leve.  Fiquei com a cabeça do anum preto em minha mão  e o sangue escorrendo em meu calção de saco de açúcar.

Nervoso com o que tinha feito, corri para casa assustado e me questionando: será que puxei com muita força ao ponto de arrancar-lhe a cabeça  ou  será não tinha feito corretamente ou que vira minha mãe fazer várias vezes, sem nunca ter ficado com a cabeça da galinha em sua mão?

Se dá azar ou não acertar  “anum preto” com bolas de tabatinga que recolhia da margem do rio que parece mais um mar , secava-as ao sol amazônico, não sei dizer.  Mas que fiquei com o corpo do anum  entre as pernas, a cabeça dele na mão e o sangue escorrendo em meu calção, ah, isso fiquei sim!


Hoje, aos 56 anos, admiro e defendo a natureza da devastação dos  homens, mas em 1967, vivendo ainda na idade das trevas,  não sabia que a ela seria e é tão importante para a sobrevivência também dos homens no planeta terra!

4 comentários:

  1. Rosemira Rosa d'Saron28 de outubro de 2016 às 15:12

    Uma belíssima história...minha traumática experiência se deu com um gato...desde esse dia aprendi a valorizar a natureza e o que ela nos oferece

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  2. O assum preto comeu o menino que andava com o bodoque malvado na mão.

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  3. Belíssimo relato. Memórias de um escritor. Parabéns!

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  4. Belíssima crónica.
    Palmas..

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