quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

"QUANDO CANTAVAM AS CIGARRAS"


Não as escuto porque há 14 anos, estou sempre dopado  por Gardenal e Hidantal e depois vários outros remédios antibióticos, fingindo que estou matando as bactérias hospitalares incuráveis antes que elas me matem de verdade! 

Elas continuam cantando sim, só que em outras vozes, através de CDs, em rádios FM e não nas antigass rádios AM, “Voz da Baricéia”, Rio Mar, Difusora ou Baré, que tinham suas próprias “Cigarras” e eram disputadas. As “cigarras” e os “cigarros”  cantavam como sabiás, como Katia Maria, o seresteiro Salin Gonçalves, com vozes superafinadas, interpretando serestas inesquecíveis. A “Crônica do Dia”, de Josué Claudio de Souza, no horário do meio dia, era antecedida de uma música que ficou tão famosa quanto à voz do locutor, que abordava vários assuntos. Nesse horário,  minha avô Lucila pedia a todos os meninos que saíssem da água do Rio Solimões, na comunidade do “Varre-Vento”, reforçando a lenda amazonense de que naquele horário “o boto se encantava virava gente e levava meninos e meninas para o fundo do rio, de onde não saíam nunca mais”. Todos saíam, mesmo não sabendo a razão. Desconheço se todos acreditavam na lenda amazonense. Era um boto que usa chapéu e roupa branca, entrava em festas, dançava e fazia sexo com meninas e voltava para o rio! O horário de meio dia, Manaus parava tudo para se ouvir a “Crônica do Dia”. 

Hoje, as “cigarras” não cantam mais como antes faziam, mas permanecem vivas nas memórias dos que tiveram o prazer de ouvi-las e revê-las no documentário “Quando Cantavam as Cigarras”. Que eu saiba, as cigarras pararam de cantar quando o advogado e político da oposição por 26 anos, Francisco Guedes de Queiroz, foi sepultado em 1987, reverenciando-o em sua honradez, seriedade e ética com que exercia duas atividades políticas. Mais tarde, ele virou meu sogro. A cidade de Manaus dos anos 50/60, é destacada em sua música, cinema, teatro, Clube da Madrugada, os concursos de Miss Amazonas, as rádios e mostra as múltiplas funções que exerciam sobre o imaginário dos Amazonenses do passado. Tudo está presente no documentário histórico “Quando cantavam as Cigarras”,organizado, roteirizado e dirigido pelo documentarista amazonense, professor da história, escritor e pesquisador Manoel Callado, com idealização e roteiro de Francisco Callado e José Wellington Ferreira. No documentário, são entrevistados os profissionais do rádio Joaquim Marinho, Gerusa Santos, J. Nunes, Isaac Benerrrós, Francisco Bittencourt, Tenório Telles, Oscar Ramos, Waldir Correa, Ednelza Sahdo, Arnaldo Santos, Carlos Zamith, Edson Piola, Liu Andrade, Kátia Maria, Babby Rizzato, Ronaldson Samuel e Célio Antunes. Todos lembram do passado e referenciaram o que era belo, cada um em sua área de atividade. Liu Andrade, a primeira croner a tocar em uma banda em Manaus, destacou-se porque a cidade ainda era muito machista naquela época.

O professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal da Bahia,  Umberlino Brasil, cineastra e autor dos filmes “O que eu conto do serão é isso...(1979) e “Lutas e vidas” (1981), garante que o filme documentário pode servir para se conhecer a história, no seu trabalho “O filme documentário como “documento verdade”. Cheguei a Manaus em 1968, para estudar. Conheci e convivi com muitos dos entrevistados no documentário. Do que narraram nos depoimentos, alguns fatos conhecia porque os vivi como jornaleiro nas ruas de Manaus e passei a conhecer outros por pesquisas que realizei depois de formado, mas não cheguei a vê-los e nem vivê-los!

Conheci e convivi com a atriz Ednelza Sahdo e os radialistas J. Nunes, Waldir Correa, o escritor Tenório Tellles. Admirei muito o primeiro apresentador moreno de telejornalismo da TV Ajuricaba, Célio Antunes; o Arnaldo Santos, em seu programa “AS nos Esportes”, que terminava sempre com três dedos à frente da Câmera e dizendo “seja um bom filho, bom aluno e bom de bola”, tocando em cada dedo e baixando-o. Adolescente, sentado em frente a TV na casa de minha madrinha, Natércia Callado, no Moro da Liberdade, ficava intrigado: como poderiam entrar de uma TV, se eram de carne e osso? Mais tarde, como jornalista, também passei a trabalhar em TV e apresentar programa de Rádio na Rádio Baré. Enfim, sem ter máquina do tempo, voltei ao passado literalmente e adorei rever lugares por onde andei, trilhos de bonde que pisei na praça da Matriz, cheia de palmeiras imperais e paralelepípedos. 

No filme documentário revemos coisas que vimos, mas se perderam no tempo, perdendo-o para o progresso. Outras coisas passamos a conhecê-las através desse misterioso túnel do tempo, que não existe, mas se torna real em documentários! 

13 comentários:

  1. Lembro-me desse tempo também e com certeza devem ser escritos e eternizados.....Parabéns.....J

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  2. Documentar emoções e fatos, que são faces de uma mesma moeda. Admiro a acuidade com que você repassa as informações. Sinal de seriedade com as pessoas, seu tempo e acontecimentos importantes que os envolveram. Raro isso nestes tempos descartáveis de hoje, nada veem, sentem, registram. Grande abraço, prezado Carlos.

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  3. Lembro Carlos Costa.
    Do.Arnaldo Santos em seu programa "AS nos Esportes"Ele termina va o programa dizendo:"Seja bom filho bom aluno e bom de bola.Tocando nos dedos
    Manaus parava para ouvir a crônica do dia.


    Muitas coisas aqui que.muitos jovens ñ sabem mas vão saber através de sua crônica.

    Boa noite estou indo compartilhar.

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  4. Maria da Glória Tavares10 de fevereiro de 2016 às 16:36

    Sempre esclarecedor,lindo demais!

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  5. Gostei muito do texto, foi bom pois você relembrou aspectos importantes do rádio, cinema, TV e outras atividades artísticas e que o mundo é melhor pela existência de pessoas c/você que valoriza a cultura e tem sensibilidade de transpor para o papel. (Manuel Calado)
    Sua crônica descreve muito bem a Manaus Antiga, um tema interessante e rico s/nossa cidade, parabéns amigo... (Doroteia)

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  6. GostoSó de ler.
    Muito Interessant.

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  7. Muito legal gostei..

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  8. Excelente crônica , Carlos

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  9. Meu prócer amigo e querido irmão. Bom dia!

    Deus contigo! Tenho lido tuas crônicas e meditado sobre elas. Reafirmo que és sem dúvida, "um dos maiores milagres da natureza (O G Mandino)". Tua capacidade de transpores para o gráfico aquilo que vivenciastes, me encanta e deleita. As lembranças, como num toque de mágica, ressurgem e também atesto aquilo que publicas, visto haver vivido a Manaus de outrora e paralelamente, acompanhado seu desenvolvimento (igualmente não posso afirmar, se para melhor). Conheço tua luta contra o mal que te castiga. Sei de sua gravidade e como o tens enfrentado. Há amigos comuns que certamente sabem do que escrevo. És sem dúvida um vencedor. Vida longa e produtiva à esse ser que escreve como muito poucos. Parabéns.

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  10. João Batista Filho/BH11 de fevereiro de 2016 às 12:55

    Olá Carlos,
    Felizmente para nós que curtimos os sons da natureza , aqui por Bh , eslas continuam fazendo a festa e entoando suas tradicionais cantigas, nos meses de setembro a novembro, prenunciando as chuvas. Ainda podemos ouvi-las ao entardecer e ficamos felizes em te-las conosco a cada ano.
    espero que sua bela Manaus não perca definitivamente este belo espetáculo das cantorias das cigarras.
    O que não estamos mais vendo por aqui são as "Tanajuras, ( Içás), que devido á impermeabilização da cidade, cada vez estão mais raras.

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  11. Participei e convivi em todos esses momentos. conheço cada nome ai colocado alguns como little box e seu programa na radio rio mar e as radio novelas que minha mãe acompanhava na casa da rua Ipixuna que começa na frente da Beneficente Portuguesa, próximo ao comercio do seu Pina. Tudo isso me fez voltar a minha infância e juventude de uma Manaus que dormia de Janelas abertas pra entrar o frescor da noite e madrugada...janelas sem grades...

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  12. Marilene Aboache Dantaa1 de abril de 2016 às 03:26

    AMEIIIIIII CARLOS COSTA.

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