sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

TEMPOS DE ONTEM ( do livro CRÔNICAS COMPROMETIDAS COM A TUA VIDA


Apoio cultural: George Barreto e David Fernandes Júnior

Patrocínio: INTERCONTINEMTAL ( Instrumentos Musicais)
             George Barreto

Publicação: 1ª Ed. 1989, Imprensa Oficial – Manaus – Amazonas
             2ª Ed. 1990 – NACIONAL – Editora e Negócios Ltda
             Rua Diego Móia, 907 – Umarizal
             Belém – PA

“Não sou daqueles que cortam a árvore antes de ver o seu fruto. Toda árvore produz um fruto. Se for bom, devemos consumi-lo. Se for ruim, cortamos a árvore e queimamos o seu tronco. É por isso que acredito em tudo o que realizo. Acreditei no meu trabalho e confiei na sensibilidade dos leitores.
Crônicas comprometidas com a tua vida” é um livro de meu passado. Nele há um pouco de tudo, de mim, de você, de nós, da vida, da morte...Sou um sonhador, futurista e gosto de desafios. Tudo o que realizo é pensando no futuro”
Carlos Costa, jornalista, amazonense de Manaus, nascido no signo de aquário.


SUMÁRIO
Apresentação
Saudade de ontem
Dois amores
Dos mistérios do amor
Canção da Lua
Canção do amor
Delírios
A morena e a flor
Nós somos loucos
Eu quero sonhar
Namorada Ideal
Mulheres da Praça
Um roubo santo
Minha amante
A Lei do silêncio
Detetive enganado
O crime do quarto
Temporal no campo
Meu general
Meu amigo, Adeus
Minha empregada, Adeus
Meu pobre Natal
Adeus...meu Uirapuru
Cinzas!
Meu caro Silva
Rei por um dia
Rasga Mortalha
A visagem
As “burras-pretas”
Explicando o poeta



APRESENTAÇÃO
UM SENHOR CRONISTA

Crônicas comprometidas com a tua vida, de Carlos Costa, reúne episódios, incidentes, reminiscências, reflexões, encontros e desencontros por ele vividos e expressos em relatos curtos, em linguagem nítida, sem excessos de adjetivos e adornos da retórica tradicional, mas de técnica esmerada e respeito aos princípios de clareza, concisão e simplicidade que caracterizam a arte de escrever.
Carlos Costa é um senhor cronista, leve, que se lê com maior facilidade. Escreve bem, por conseguinte. Que mais se poderia desejar?
Manaus está presente nestas páginas, não só de forma direta, mas sobretudo indiretamente ou subliminar, na extrema singeleza, prática, de textos que estão vivamente carregados do viver de um povo que ama, sofre, labuta e enfrenta as alegrias e dissabores do cotidiano.
Observa-se em Carlos Costa um lado romântico, poético. E não poderia deixar de ser. Todos os bons cronistas acabam, um belo dia, poetas. Assim aconteceu com Carlos Drumond de Andrade, Cecília Maireles, Rubem Braga e muitos outros. Tudo indica que o menino nascido em Manaus e criado no Varre-Vento está disposto a seguir-lhe os passos. Não faltam nele as qualificações intelectuais do cronista nato e observa-se em muitos dos seus trabalhos a capacidade de extrair ensinamentos das crises. Com isso até ensina, o que não é atribuição de cronista.
Crônicas Comprometidas é, como seu próprio autor, um livro despretensioso, com calor humano, romântico, comprometido com a realidade amazônica, revelador o do cotidiano, físico, simbólico e imaginário, saudosista e paradoxal – o poético mesclado ao erótico; a cidade invadida pelo campo; o ser envolto ao não ser; a realidade misturada à fantasia- sensível ( “...onde andas agora? Deixes que eu te busque no infinito. Vem, fecha a janela, a cortina, apaga a luz e te agasalha em meus braços”), e principalmente,  agradável.
O presente volume constitui, além de tudo, um desses atos de salvação para o bem da literatura amazonense, resgatando-se da transitoriedade do jornal, um gênero literário característico da imprensa brasileira.
Há livros que nascem privilegiados. Esse é o caso de Crônicas Comprometidas, um livro interessante que deve ser lido, debatido e, sobretudo, analisado pelos amantes da boa leitura.
Acredito que, como eu vocês perceberão que o profundo senso de universalidade, transcendência e de permanência do escritor irão tornar suas crônicas invulneráveis à ação erosiva do tempo.
Ierecê Babosa
Professora do Curso de Relações Públicas da Ufam, poetisa, cronista e mestra.
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SAUDADES DE ONTEM
     Porque hoje é sábado, todos se reúnem na casa de alguém para, perguntando um a um e interrogando os que passam, descobrir na casa de quem será a festa, logo mais à noite. Hoje está definido, a festa não será na minha casa, mas na casa do João, que namorou minha irmã mais não namora mais, mas que tem uma irmã bonita que eu já namorou todos os meninos da rua. É fácil saber onde fica a casa do João.
     Definido o local, a notícia corre rápido e até de bairros distantes aparece gente. Da sala principal da casa, foram afastados todos os móveis, que eram poucos, e transportados alguns para o terraço e outros para o quarto. Estava pronto o local da festa para receber os convidados.
     O dono, como é lógico, ficou à porta, recebendo os que eram convidados e os que se convidaram porque conheciam alguém, que conhecia outro alguém, que era amigo de um amigo do dono da casa. Ao final, todos entravam, brincavam, dançavam, namoravam e terminavam se conhecendo mesmo.
     Eu, tímido, ficava só olhando e ouvindo as músicas de Pepino de Capri, Y Santo California, Gilbert, Nazareth, Michael Jacksson, com seus 10 anos de menino prodígio cantando “Beem”e tantos outros sucessos bons que hoje não se escuta mais. A irmã do João, a única pessoa que interessava praticamente a todos os que lá estavam, dançava com outro e eu não tinha coragem de me chegar.
     E a festa entrava noite à dentro, cada vez chegando mais gente. Em frente à casa, muitos jovens olhavam para dentro para ver se havia muitas garotas. Festa sem garotas não era festa. Também tentavam descobrir onde seria a festa da semana seguinte, na casa de quem, e se haveria muitas meninas.
     O João, dono de tudo, deixou dar onze horas e parou o som da vitrola Nivico.  Ninguém entendeu nada. De repente, entrou na sua a sua mãe, dizendo que estava na hora. Na hora de quê, de terminar a festa? Foi o que todos se perguntaram ao mesmo tempo. Não, não era de terminar a festa, mas de cantar parabéns, afinal, havia um aniversariante na festa e era o próprio João.
     O estranho é que ninguém sabia que ele estava aniversariando. Todos pensavam que aquela era mais uma simples brincadeira de final de semana, como era comum entre todos os jovens. Muitos esboçaram um sorriso e cantaram parabéns a você. Outros se encostaram pelos cantos, confidenciando alguma coisa nos ouvidos das garotas. Eu fiquei parado, esperando um tempo para me chegar à irmã do João. Veio parabéns e todos cantaram, recomeçando a festa em seguida, que só terminou depois das duas da manhã, um horário considerado já muito tarde para todos os jovens daquela época.
     Terminada a festa, desci a rua acompanhado de um grupo de rapazes, ouvindo atentamente o falatório das conquistas. O que menos falava, dizia que havia tocado nas mãos de uma garota. Outros iam mais além e apostavam que tinham beijado fulana, irmã de outra fulana, que namorava com fulano. Já outro havia descoberto que uma garota não namorava mais com aquele rapaz e por aí afora.
     Eu, calado, só pensava mesmo no dia em que eu poderia me chegar à irmã do João, que namorava minha irmã. Sabia que, em primeiro lugar, eu teria que aprender a dançar, coisa que eu considerava muito difícil. Mas, afora isso, a festa tinha sido ótima, afinal, eu pude ver, mesmo de longe, a irmã do João!



DOIS AMORES
Eu conheci Claudine no colégio público, tinha por aí meus nove anos e ela uma mais. Era a Escola “Adalberto Valle” e ficava próximo a casa  de minha madrinha Natércia, no Morro da Liberdade. Nesse tempo, a gente usava calças curtas e ela saia longa e se deliciava com as cores do lápis “Fabber”.
Claudine foi, com certeza,  minha primeira namorada, embora ela nunca tenha certeza disso. Cheguei a ir a sua casa, quando ela estava doente, mas só para vê-la. Tive uma sensação estranha ao entrar em seu quarto; ela só de camisola. Comigo estavam outros colegas de classe, que também nutriam o mesmo sentimento que eu por Claudine.
     No princípio não dei muita atenção a ela, por causa de outras meninas que eu paquerava sem saber ao certo o que pretendia. Uma delas me chamava de lindo, essas coisas de criança, e eu acreditava. Outra chegou a dar-me um beijo – o primeiro que recebi na vida – durante a hora do recreio. Pensei que estivesse apaixonado pelas duas.Claudine, ao contraio, era discreta. Fazia composições lindas e tinha uma letra de chamar a atenção, bem certinha, sem falhas. 
Era o modelo de classe e a musa dos meninos. 
Comecei a amá-la porque um dia, no portão da escola, consegui tocar em suas mãos finas, brancas, bem cuidadas.Senti um calor forte. Nunca mais  esqueci essa sensação.Estava apaixonado com certeza, mas ela não sabia disso. 
Desde aquele dia, esqueci as outras meninas e só queria ver Claudine. Fazia tudo para estar perto dela. Até de carteira eu mudei. Ela passou a ser a coisa mais importante para mim, mas nunca tive coragem de falar-lhe algo além do estritamente necessário, deveres de casa, dúvidas em matemática e coisas assim. Durante muito tempo, formamos um par perfeito, até o dia em que Claudine mudou de Colégio, sem saber que eu a amava tanto
Nunca mais coloquei minha mão em sua mão.


 

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