Na comunidade do Varre-Vento, com pássaros diversos, voando livres, leves e soltos e frutas retiradas do pé para matar a fome dos pequenos e numerosos oito filhos, havia também um periquito que minha mãe criava com muito carinho. Não tinha nome, mas a mãe Josefa Costa o criava livre e solto. Embora não tivesse a asa cortada, coisa comum na comunidade no final dos anos 70, não voava. Também não tinha nada atrofiado porque sempre fora criado solto, voando só dentro de nossa casa de madeira e pousando e bicando a cabeça de quem ele não gostava. Talvez porque se acostumara a receber comida na boca de minha mãe, que tirava com seu bico. Também cuidávamos muito bem dele quando Josefa colocava o chapéu na cabeça, vestia a camisa de manga comprida, pegava o terçado e ia para a roça, acompanhando meu pai Paulo Costa. Notávamos que o periquito ficava triste quando isso ocorria!
- Cuidem bem do meu periquito? E quem disse que ele aceitava?
Fazíamos tudo igual como a mãe fazia, mas ele derrubava toda a comida, pegando com o bico a vasilha e sacudindo-a até não restar mais nada. Se dávamos no bico, ele recusava e bicava quem se atravesse a tal ousadia Se alguém estendesse o dado para ele passar, bicava quem o fizesse e se lhe dávamos o dedo para ele subir como nossa minha fazia, ele bicava. Ficava rebelde. Quando nossa mãe voltava da lida na roça, ao ouvir sua voz, se emplumava todo, escrespava as penas, abria as asas como se fosse voar, manifestando alegria. “Sua mãe” estava de voltando. Era uma coisa interessante e curiosa. Nossa mãe fazia tudo o que tínhamos feito antes. Ele aceitava sem problemas e ficava feliz. Se alguém fosse se aproximar da mãe, ficava valente e atacava e começava a cantar e a falar, chamando “Josefa, Josefa”, com muita desenvoltura. Depois assobiava feliz e, com o papo cheio, subia para a cumeeira da casa e gritava “sal, sal”, chamando as poucas cabeça de gado para o nosso sustento, para o curral. Todos obedeciam e o danado ficava findo depois. Depois chamava, “teu, teu” e o cachorro ficava procurando quem o estava chamando, abanando o rabo. Ou seja, o periquito fazia tudo o que via o pai e a mãe fizessem antes, mas com a garotada era brabo, ficava zangado e se emburrava fácil!
Isso perdurou até o dia em que o pai Paulo Costa trouxe de uma de um tronco de árvore, no lago onde costumava olhar malhadeiras, doze periquitos asas brancas, ainda sem penas, para criá-los em casa. Desse dia em diante, o periquito que minha mãe já criava há muitos anos, acho que ficou com ciúmes e se tornou rebelde também com nossa mãe. A beliscava, não aceitava mais a comida que ela lhe dava da boca para seu bico, até o dia que desapareceu por cinco dias e todos ficamos procurando-o. Encontrado, não descia do alto da casa embora nossa mãe o chamasse como fizera tantas vezes no passado. Depois de cinco dias sem comer e sem beber água no alto da casa, se jogou em cima de uma pilha de toras de madeiras ao lado da casa ficou espetado em uma das toras que estava de ponta para cima e morreu. Foi uma cena chocante para uma criança de 7 anos! Depois que emplumaram e começaram a voar, meu pai devolveu os doze periquitos para o local de onde deveriam ter saído: a floresta. Nos anos seguintes a mãe relembrava com tristeza o suicídio do seu periquito.
Anos depois, em Manaus, morando em um sítio na comunidade de Bela Vista, município de Manacapuru, meu pai passou a receber a visita de um sabiá laranjeira, sempre na hora do almoço, para comer em seu prato. Nunca o prendeu porque talvez se lembrasse do suicídio do periquito, que ele também gostava O pai também criava um cachorro chamado de “Gravata”. Ele era preto com uma lista branca no peito parecendo uma gravata. Um dia, meu pai me chamou e pediu:
- Gravata, vá pegar aquele frango ali que eu quero fazê-lo para meu filho! E apontou para qual frango ele queria que fosse pego.
E lá se foi o cachorro, entrou no meio de várias galinhas, prendeu no chão com sua boca o frango que meu pai pedira e ele comentou comigo depois:
- Não falei! Ele separa do grupo o frango que eu peço, prende-a com a boca e depois eu vou pegá-la para fazer! Sem ver, ninguém acreditaria. Mas eu vi! Nessa época ainda não existia celular e a internet era precaríssima. Eu teria filmado a cena e postado no facebook para que todos vissem também como era inteligente o cachorro que meu pai criava, mesmo não tendo raça definida, ele era inteligente demais.
E por que estou escrevendo sobre isso?
Hoje prefiro ver livres, leves e soltos os pássaros na natureza, praticando o balé mágico para um lado e para outro, voando de uma árvore para a outra, tudo ao mesmo tempo! E por que falei do sabiá laranjeira? Depois de comia no prato de meu pai, voava, entrava no banheiro e ficava voando de um lado para o outro também, até que ele fosse abrir o chuveiro para que ele tomasse banho e depois voasse para uma árvore no quintal do sítio.
Até o dia que voou para a árvore e nunca mais voltou e hoje deve voar feliz, em algum lugar!
Linda crônica, Carlos! os animais tem ciúmes, sim. Meu Mootley, quando sentamos juntos no sofá da sala, coloca o corpinho em cima das minhas pernas, como a dizer para sua companheira, a Leona: "Ela é MINHA mãe!" E não gosta nem que meu marido me abrace, fica tentando entrar no meio. Tive um gato, o Gugu, que desapareceu por quase um mês quando trouxemos novos gatinhos para casa. E a sabiá da sua crônica me lembra muito a Linda Inês, que apareceu na casa de minha irmã da mesma maneira. adorei ler!
ResponderExcluirBoa noite amigo, Carlos Costa!
ResponderExcluirAchei muito interessante o comportamento desse periquito que acabou se suicidando.
Como essa história remota um tempo distante, também escrevi fatos verídicos vividos na minha infância, e aqui está um deles:
A POMBA, O ARROZ E O SEU DESTINO. (http://brasilemversos-am.blogspot.com.br/2014/12/a-pomba-o-arroz-e-seu-destino-por-arai.html)
Enternecedor ,só quem lida com os animais sabe, como eles nos compreendem
ResponderExcluirEssa amizade, diálogo entre gente e bichos é emocionante. Mais uma linda história do Varre-vento. Adorei.
ResponderExcluirMuito Legal!
ResponderExcluirFantástica estas histórias de animais. Tínhamos um papagaio, eu era criança, mas me lembro bem, que do seu poleiro a comida ao chão, e chamava as galinhas prutititi prutitti, como minha fazia, atirando milhos no terreiro. Assim que as galinhas chegavam para comer a comida que ele espalhava, chamava o cachorro Peri, "cá Peri, cá peri". Peri vinha ele gritava "pega peri pega peri". E Peri fustigava galinhas, galos e pintinhos e o papagaio caia na zoeira. Agora, periquito suicidar, convenhamos rsrs, só pode ser imaginação de escritor. Abraço, Feliz 2015.
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