domingo, 28 de abril de 2013

"MÃE ZULMIRA": A MÚSICA, O MITO E UM MEDO!




“Mãe Zulmira, o amanhecer de uma raça”, belíssima composição dos carnavalescos Gilson e Almeron, que ajudou a dar o título de campeã do Carnaval de Manaus a Escola de Samba Reino Unido da Liberdade, em 1979, também ajudou a mudar minha ideia sobre o candomblé. Na adolescência, brincando nas ruas do Morro da Liberdade, onde foi criada a Escola por convicção e determinação de Bosco Saraiva, eu tinha até medo de passar em frente ao Batuque de “Mãe Zulmira” que ficava em frente ao Grupo Escolar Adalberto Valle, onde estudava e aprendia as primeiras lições com as professoras - inesquecíveis Rosa Eduarci Marinho e Aidee, que chegavam sempre para dar aulas num carro karmanguia amarelo conversível do namorado de uma delas. Outras que moravam perto da Escola se deslocavam a pé, enquanto outras chegavam num ônibus da Empresa Ana Cássia, veículos construídos em cima de carrocerias de caminhões, totalmente em madeira e com poltronas duras.


Na época da diretora Alda Figueira Peres, no início da década de 70, as professoras eram admiradas e respeitadas como não se vê mais nos dias de hoje e nos levavam para passeios em jardins zoológicos e ao melhor balneário público de Manaus, o Parque 10 de Novembro. Os alunos se cotizavam durante vários dias para alugar um caminhão que os transportasse. Todos subiam na carroceria e até a baderna que faziam se transformava em uma grande festa! Quando visitávamos o Balneário do Parque 10, o caminhão só seguia até a fábrica Magistral, na atual Rua Mário Ypiranga, na época só um matagal, e o resto do percurso se fazia a pé, com muito cuidado, por medo de cobras e outros bichos. Concluída “a pesquisa”, a professora Rosa recolhia todos os alunos à carroceria do caminhão e voltavam ao Grupo Escolar Adalberto Valle. Eram passeios inesquecíveis! Pena que foram poucas vezes! E a maior parte deles, era usada a desculpa que os alunos iriam fazer pesquisas que nunca eram feitas, mas era uma grande festa!


Contudo, os alunos – principalmente eu - tinham medo só de ouvir quando os batuques começavam a tocar no terreiro de mãe Zulmira, que ainda se localiza em frente à antiga estação de ônibus da empresa Ana Cássia, de propriedade de Cassiano Cirilo Anunciação, mais conhecido por “Batará”, mas que foi vendida e mudou de nome várias vezes até ser banida do sistema de transporte urbano de Manaus pelo ex-prefeito Eduardo Braga, de forma abrupta, já com o nome “Santa Luzia” e de propriedade do administrador de empresas Francisco Saldanha Bezerra, por questões puramente políticas. O batuque continua no mesmo local; a estação de ônibus e a empresa, não!



- Você viu aquela estátua grande e vermelha que estava lá dentro? Acho que eles pegam santos porque ficam dançando, rodando e tomando uma bebida e depois ficam se batendo toda. Dizem que aquele local não é apropriado para nós!


Eram os comentários dos alunos depois de olharem pelas frestas do barracão de madeira, quando começavam os barulhos de batuque, no terreiro. A construção do batuque da Mãe Zulmira é antigo, mas na década de 70, ocupava todo um terreno cercado de mato. Era grande e cheio de árvores em volta. “Se entrarmos nesse mato, podemos sair nunca mais porque ele tem assombração!”, diziam aos outros alunos e isso se espalhava rápido entre a meninada. Mas sempre alguém mais afoito entrava e saia de dentro do mato e dizia para os medrosos: “não tem nada lá, além de mato mesmo”, mas ninguém se arriscava porque também ouvíamos barulho de animais e pensávamos nas almas dos animais abatidos durante os cultos sagrados do camdoblé – que nunca conseguimos ver – passeavam no local. Diziam que os frequentadores do Batuque da Mãe Zulmira bebiam o sangue dos animais sacrificados! Mas nunca vimos nada disso acontecer...


Hoje, sabemos que o que se praticava dentro do terreiro era uma religião afro-brasileira derivada do animismo (alma) africano, onde se cultuavam orixás, que eram as estátuas, que os alunos viam quando olhava pelas frestas do batuque, igual às estátuas existentes na Igreja Católica. Segundo os registros históricos, a religião foi desenvolvida no Brasil com o conhecimento dos sacerdotes africanos que foram escravizados e trazidos para o Brasil, no século XVIII. Embora confinada originalmente à população de negros escravizados, inicialmente em senzalas, quilombos e terreiros, a prática foi proibida pela Igreja Católica. Mesmo assim, prosperou nos quatro séculos seguintes e expandiu consideravelmente desde o fim da escravatura em 1888. Segundo levantamentos não oficiais e publicações sobre o assunto, o candomblé tem seguidores em várias classes sociais com aproximadamente 3 milhões de brasileiros, ou 1,5% do total da população do Brasil, declararam o candomblé como sua segunda religião. Na cidade de Salvador, há registro de 2.230 terreiros registrados e funcionando plenamente, sendo considerada e aceita pelo seu sincretismo religioso.

Mas que dava medo aos alunos, ah, isso dava sim! Mas talvez a música dos compositores Gilson e Almeron tenha ajudado aos alunos – se não a todos, pelo menos a mim – a perder o medo do batuque da “Mãe Zulmira” e, com isso, a Escola de Samba Reino Unido da Liberdade tenha sido campeã do carnaval de rua de 1979, porque os dois afirmaram em um trecho da música que “em seu palácio mostre a liberdade/me dê amor, carinho e proteção”.

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