Junho/2012,
reescrita e reposicionada.
- Faz só morno,
mãe! – dizia eu para mãe Josefa Costa, que acordava sempre comigo!
Um copo de Nescau morno, um sanduiche
de pão com ovo, ingerido sempre apressado. Depois, caminhava até a parada, com
o frescor da madrugada e o deslocamento em um ônibus de madeira da empresa Ana Cássia, linhas Santa Luzia/Educandos ou Santa Lucia/Beco do Emboca, era tudo o que
eu fazia para deixar minha casa, cochilar um pouco mais durante a viajem,
descer ao lado do Colégio Militar de Manaus, seguir à pé e vender jornais
nas ruas de Manaus no final da década de 70 e início da de 80. A escolha das
linhas não fazia diferença alguma. Ambas
me deixavam no local que queria ficar. A diferença é que uma vinha cortando por
dentro e a outra fazia um percurso mais longo, pela Rua Branco e Silva, no
final da qual ficava “meu outdoor com um
avião da Cruzeiro do Sul”.
Do bairro da Betânia, de onde saia para
“apanhar” exemplares nas redações dos
jornais A CRÍTICA, na Rua Lobo D’Almada,
JORNAL DO COMÉRCIO, na Avenida Eduardo Ribeiro e A NOTÍCIA, na Praça Tenreira
Aranha, e vendê-los. Colocava-os embaixo do braço e seguia para a Rua
Marechal Deodoro, os espalhava no chão, em frente à sede central de dos
Correios e atendia aos fregueses. Ficava admirado com o grande número de
pessoas portando sacolas cheias de artigos importados vendidos pelo comércio da
Zona Franca, principalmente os vídeos cassetes que eram novidades e tinha muita
procura.
Acordava sempre às 4 horas da manhã
para pegar o primeiro ônibus. Caminhava pelas ruas de um bairro que estava
surgindo fruto de um loteamento, em meio aos pés de cajus e areia, muita areia
branca! Não tinha nada: água, luz, asfalto. O ônibus que pegava fazia sua
estação em frente ao Batuque da “Mãe
Zulmira”, no Bairro Morro da Liberdade. Era um pouco distante e fazia o
percurso a pé, subindo por uma ladeira íngreme.
De madrugada, ouvia minha mãe sempre
dizendo: “Vá com Deus” e “Deus te abençoe, meu filho”. Josefa Costa sempre foi muito religiosa. Respondia:
“Fique com Deus a senhora também, mãe”,
mas não sei se ouvia. E ela me deixava à porta de casa até que eu seguisse
caminhando pela Avenida Adalberto Valle, onde morava no número 68, subisse a
ladeira que se iniciava no chamado “Buraco
da Vovó”, que terminava quase em frente ao Batuque da “Mãe Zulmira”, já no Bairro Morro da Liberdade.
Conduzido por um motorista
sonolento eu também, tirava cochilos vez
ou outra, tombando de um lado para o outro em cada curva e tomando sustos a
cada freada. Costumava sentar nas últimas cadeiras do ônibus, até que conheci
uma moça que trabalhava no Supermercado
Agromar e passei a sentar-me ao lado dela só para conversar e “espantar o sono”. Ela sentava sempre
um pouco mais à frente e quando me via, tirava uma flanela amarela da bolsa,
limpava a cadeira e pedia para sentar-me ao seu lado. Aceitava e ficávamos
conversando. Quando não encontrava no ônibus, passei a sentir a falta dela. Estava mal acostumado, tal a constância
desses “encontros” no ônibus. Ela
seguia para trabalhar no supermercado e eu vender meus jornais.
Tinha a sorte de sempre pegar o
coletivo de um motorista que tinha o nome João
não sei do quê. Ele sentava sempre meio de lado no banco. Era um moreno forte e diziam que já tinha
sido policial, teria recebido um Aposentado e por invalidez, dirigia ônibus
para sobreviver. Mas nunca soube se isso era verdade. O certo é que depois dos
solavancos que levava, descia todo serelepe com uma bermuda e uma sandália no
pé em na parada na Rua Luiz Antony e rumava até a Rua Lobo D’Almada para “pegar” o Jornal A CRÍTICA, por uma pequena
janela que existia, aberta só para esse fim, das mãos de uma pessoa que atendia
pelo sugestivo nome de “Buraco”,
talvez porque ele entregasse os jornais por uma espécie de buraco mesmo, na
parede de cimento e tijolo do jornal! Também nunca tive coragem de perguntar
como era o nome do “Buraco” porque todos os jornaleiros mais antigos do que eu,
o chamavam assim e eu passei a chamá-lo também pelo mesmo apelido. O “Buraco” ainda está vivo e é motorista na
Prefeitura Municipal de Manaus! A
Crítica era o primeiro jornal que pegava. Ficava mais próximo à Rua Lobo D’Almada.
Depois, caminhava à Avenida Eduardo Ribeiro e pegava poucos exemplares do JORNAL DO COMÉRCIO. Embora muito bom na época, vendia pouco. Vendia bem aos domingos, mas não sei explicar
a razão ou por quais motivos isso ocorria. Naquela época, O Jornal e Diário da Tarde não existiam mais. Depois descia até a
Praça Tenreiro Aranha e apanhava exemplares do Jornal A NOTÍCIA, sobre o qual, diziam que “se espremesse saíria sangue de suas páginas”. Essa expressão se
devia às manchetes alarmantes que o genial
jornalista Bianor Garcia, conseguia escrever na sua primeira página.
Os jornais A CRÍTICA e A NOTÍCIA
disputavam a preferência dos leitores final dos anos 70 e início dos 80 na
pacata Manaus e se rivalizaram por
longos anos na preferência dos leitores da capital. Como jornaleiro
sempre vendia bem igualmente aos dois! Mas lia tudo antes, principalmente
o Caderno VIDA, um encarte que existia em A CRÍTICA. Quando o Caderno VIDA não
saía, o jornal vendia pouco, tal era a importância que tinha na época para a
venda do periódico aos domingos.
Era a vida do ex-jornaleiro Carlos
Costa, hoje jornalista, assistente social e professor universitário aposentado
por invalidez aos 49 anos de idade que se dedicou apenas a escrever
crônicas contando suas memórias ainda existentes!
Sempre gosto muito de suas crônicas, amigo.
ResponderExcluirMuito boa.
Abraço, sucesso e paz.
Uma crônica magnífica para os amantes da boa leitura! Um grande abraço, caro amigo!