quinta-feira, 7 de junho de 2012

O SINO DO SILÊNCIO: UMA HISTÓRIA POR CONTAR!

Parecia uma coisa mágica: o sino puxado por uma corda, era tocado na porta da Loja Central de Ferragens S/A e todas as lojas da Rua e das mais próximas, encerraram suas atividades ao mesmo tempo. Os funcionários estavam liberados para almoçar no Restaurante dos Comerciários, no SESC, na Rua Henrique Martins, ou em suas residências, pegando ônibus de madeira e sem nenhum conforto.  Todas as lojas reabriam as portas precisamente às 14 horas, com outro badalar do sino.

Trabalhando em um escritório como office-boy, muitas vezes almocei no Restaurante do SESC, quando deixei de vender jornais pelas ruas e fui jornais pelas Ruas de Manaus.  Depois do almoço, subia as escadas do SESC e devorava livros, lendo livros de Neruda, com suas poesias maravilhosas, Vinicius, Cecília Meirelles, Bandeira e Rubens Braga com suas crônicas maravilhosas e Gabriel Garcia Marquez e também estudava as matérias da aula seguinte, lendo os livros da escola, além de autores espanhóis e cubanos, russos, franceses, etc! Viajava nas leituras, imaginando cenários, criando os meus e adorava aqueles momentos, também, mágicos para mim!

Eu ali parado vendendo jornais na calçada dos Correios, na esquina das Ruas Thedureto Souto com Marechal Deodoro, onde se localizava a loja onde era tocado o sino, via aquele movimento de pessoas pelas ruas e o abrir e fechar das lojas, enchendo a rua de um imenso barulho de portas sendo baixadas, seguido de um silêncio sepulcral. Muitas pessoas, minutos antes de o sino bater, já ficavam pelo lado de fora das lojas, pronto para encerrar o expediente da manhã.

Mas também sabia que, ao tocar do sino, o movimento pararia logo em seguida, ficando tudo deserto e também tinha que me deslocar até ao Tabuleiro da Baiana, na Rua da Instalação, para prestar contas dos jornais vendidos ou “boiados” ao X-9, um homem gordo, com barriga proeminente e sempre à mostra, caindo-lhe por cima do cinto da calça ou bermuda que estivesse usando no dia.  

Pelas Ruas Marechal Deodoro e Theodureto Souto se esbarravam muitos turistas nacionais ou estrangeiros, ávidos em adquirir novidades no comércio pungente da Zona Franca. A maior novidade no final dos anos 70, era a importação dos primeiros grandes e pesados vídeos cassetes que, para adquiri-los, compensava aos turistas se deslocar até a Manaus para comprar pelo menos dois, dentro da cota, despachar um em mãos; o outro, como bagagem e revendê-lo em seus Estados de origem recuperando o preço gasto com passagem e hospedagem na cidade.

Os veículos ainda circulavam normalmente naquelas Ruas do centro de Manaus com um pouco mais de 300 mil habitantes. A cidade ainda era tranquila, com poucos carros trafegando nas suas pacatas ruas, no início do processo de implantação da ZFM,  o que atraia turistas nacionais e estrangeiros às compras.  

O sino estava exposto pelo lado de fora, na parede da Loja S. Soares Ferragens S/A, que funcionava nas esquinas das Ruas Marechal Deodoro e Theodureto Souto, este nome dado em homenagem ao jornalista e político cearense  da cidade de Itui,  que já havia governado Santa Catarina e que  também governara a Província do Amazonas na época do Império, no curto período de 11 de março de 1884 a 12 de julho do mesmo ano. A Rua 10 de julho é em homenagem à data que Theodureto Souto assinou o decreto libertando os escravos na Província do Amazonas, em 1884, depois de um intenso movimento abolicionista iniciado em 1880, liderado pela Sociedade Emancipadora Amazonense, antes de a Princesa Isabel assinar a Lei Áurea, abolindo a escravidão no Brasil em 13 de maio de 1888.  

As Ruas Marechal Deodoro, Emílio Moreira, Guilherme Moreira e outras adjacentes, hoje se encontram interditadas ao tráfego de veículos e destinadas exclusivamente aos pedestres, sendo que a Rua Marechal Deodoro, onde se instalaram várias lanchonetes de chineses, eram abastecidas com pastéis, rizoles e coxinhas produzidas com macaxeira, pelos chineses da família Chang.  Dentro das coxinhas de galinhas de macaxeira eram sempre recheados com um pedaço da coxa da galinha e uma azeitona e fritos na hora, na frente do cliente. Foram às melhores coxinhas de galinha e rizoles de macaxeira que degustei até hoje. A Rua Marechal Deodoro, de minhas lembranças, hoje toda coberta,  é conhecida como Shopping “Bate Palminha”, de tanto que os vendedores chamam a atenção dos clientes batendo na palma das mãos e anunciando seus produtos aos gritos.

Era lindo ver os vendedores das lojas caminhando apressados rumo ao restaurante dos Comerciários, no SESC, na Rua Henrique Martins onde sempre existiam filas na compra de fichas para pegar o  bandejão e comer uma alimentação  preparada por nutricionistas, ou seguindo de ônibus para suas residências para almoçar em suas casas.  Muitos ônibus, naquela época, estacionavam nos dois lados do Tabuleiro da Baiana, na Rua da Instalação vindos dos bairros ao centro da cidade pela Avenida 7 de Setembro, que corta toda a cidade.

Antes do Tabuleiro da Baiana, subindo a Rua da Instalação, pela Praça da Matriz, existia a superintendência do Banco do Brasil, local ao qual voltei muitas vezes como jornalista para entrevistar o Superintendente, o amazonense do Município de Coari, escritor Francisco Vasconcelos, hoje aposentado e residindo em Brasília.

Não gosto mais de caminhar pelas Ruas do centro de Manaus antiga e algumas adjacentes porque todas elas, antes calçadas com paralelepípedos hoje são asfaltadas. Até hoje tenho dúvidas quanto a origem dos paralelepípedos, se da Inglaterra ou de Portugal, mas sei que eram importados porque nada se produzia em Manaus, ainda. Ah, progresso infeliz!

Fiz o teste em A NOTÍCIA, convidado pelo jornalista Luiz Octávio Monteiro e iniciei meu trabalho de repórter cobrindo atividades do Poder Judiciário. Permaneci por mais de cinco anos seguidos, quando,posteriormente, fui contratado para trabalhar em rádio, TV e jornal, este último como Editor Geral, cargo que exerci aos 26 anos de minha vida pela primeira vez.

E foi lendo escritos belíssimos e mágicos artigos e crônicas na biblioteca do SESC, em revistas, livros e jornais, que me decidi pelo jornalismo. Muitas vezes designado para escrever sobre movimentos sociais que protestavam contra o Golpe Militar, coisa comum e corriqueira naquela época, deixei de ser Editor Geral de Jornal e cursei Serviço Social, profissão que exerci com muito orgulho, por doze anos, como diretor de uma instituição social e, mais tarde, como professor do curso; agora, aposentado, escrevo só o que gosto e o que me dá prazer: escrever e divulgar crônicas registrando lembranças de um passado não tão distante! Mas que dá saudades, ainda!