sexta-feira, 11 de maio de 2012

FARTURA DE PEIXE! UMA VOLTA AO PASSADO...DE NOVO!

Os rios Negro e Solimões, no Estado do Amazonas estão cheios e, enquanto prefeitos decretam Estado de Calamidade Pública nos Municípios atingidos, detritos jogados pelos moradores nos leitos dos rios e igarapés agora inundados, emergem do fundo das águas e poluem visualmente a paisagem com garrafas pets, latas e lixo de toda ordem, inclusive pneus, geladeiras, móveis e tantas outras coisas descartadas dentro dos igarapés que cortam a cidade de Manaus.

Estarrecido com toda essa “tragédia ecológica da poluição das águas”, volto a um passado em finais de década de 70 quando, servindo de contra peso  de menos de 30 quilos, acompanhava meu pai pelos lagos, em gostosas,   agradáveis,  inesquecíveis e memoráveis pescarias, que em mim deixaram tantas  lembranças de sons de pássaros nas árvores frutíferas, muitos contrabandeados, ronco de branquinha, baiacu e pescada no fundo dos lagos pescados com bombas jogadas nas águas pela Petrobrás, arrastões de redes e muitos, hoje, quase desaparecidos...!

Ah, como delirava o coração infantil que batia dentro de meu peito, com essas bucólicas paisagens! Achava lindo o reflexo de casas flutuantes dentro do vasto mundo de águas! Era como se fosse um espelho a refleti-las, um verdadeiro colírio para meus olhos de criança sonhadora!

Recordo de uma cheia vivida na comunidade de Varre-Vento, distrito do município de Itacoatiara quando, da janela da casa de meu tio Armando, pescava piranha com caniço com seu motor atracado próximo à janela da cozinha. Nesse dia, meu tio Armando me pediu um favor e disse-lhe que faria, desde que me pagasse com moedas... Fiz o favor, me deu as moedas, mas deve ter contado para meu pai, que me obrigou a devolver tudo e ainda pedir desculpas ao meu tio.

Lembro-me também de quando frequentava a Escola improvisada na casa de minha tia Terezinha, com a qual aprendi a ler,  escrever e fazer contas.  Minha tia sempre passava tarefa para casa ou fazia perguntas em classe para a turma, que não era grande. Quando chegava minha vez, respondia que sabia a resposta, mas a tinha esquecido atravessado por cima do tronco de madeira que ligava um lado ao outro do “furo” como eu chamava o igarapé que cortava o terreno de meu avô, ligando o Rio Solimões a um lago que existia  aos fundos, onde meu pai e eu, sempre usado como contra peso de sua canoa, pescávamos; algumas vezes tinha que tirar água com cuia porque vazava pelas brechas calafetadas com pano e, por cima,  breu. Era tudo  diversão e alegria infantil para mim.

Talvez tia Terezinha desconfiasse das “mentiras” que lhe contava, que esquecia a resposta à pergunta, ao atravessar o “furo”, pois certa vez, lembro-me de ela interrogar-me de forma mais enérgica: “que dizer, então, que você esquece de tudo depois que passa pelo furo, é...? Quando não esquecia a tarefa no “furo”,  a esquecia no motor de “Seu Panta”, um “regatão” que comercializava de casa em casa, quando deslizava  de carona seu motor pela águas barrentas do Rio Solimões, vez ou outra.

Durante uma pescaria, presenciei o primeiro e único fenômeno de piracema, com uma fartura de pacus, além de outros peixes, que ficando impossível de se beber água do Rio, por três dias,  devido a tantos peixes que morreram e apodreceram na margem do Solimões. A causa de tanto peixe poderia ser friagem, mas não sei por que a noite estava linda demais para se pensar em causas do fenômeno. O luar estava belíssimo e me causava uma imensa sensação de felicidade e leveza, sendo coberto pelo mando sagrado da luz, com a canoa lentamente tentando passar entre tantos peixes da piracema.!

Diante de tudo isso, lembrei da música “Sol de Primavera”, cantada por Beto Guedes, porque era setembro, havia lua. Especialmente, recordei de um refrão da música que diz  “quando entrar setembro e a boa nova andar....” A boa nova era a grande piracema que da qual fui testemunha, que poderia não fazer “brotar o perdão”, mas faria a alegria dos ribeirinhos, “semeando as canções” com farinha nos pratos dos caboclos interioranos que teimam em manter a floresta Amazônica intocada e viverem miseravelmente.

Como os nordestinos que resistem à seca, com a mais longa durando de 1877 a 1879,  desde os tempos do Império, quando Don Pedro II  determinou a construção de açudes para amenizá-la ao menos,  os caboclos do norte do Brasil enfrentam e resistem às cheias dos rios.

Como diz a música cantada por Beto Guedes, “mesmo assim não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer” fartura, mesmo que seja com um delicioso pacu assado ou cozido à mesa, porque não existirá nunca “sol de primavera” não se abrirão “as janelas do meu peito para a lição que sabemos de cor” como diz a música, porque a lição de pescar pacus meu pai sabia e sabe ainda muito bem e nada nos restará a aprender.