Do alto de um barranco no Varre-Vento, avistava-se ao longe, na curva do rio como os ribeirinhos chamavam, aquele mundaréu de capim sendo levado pelas águas do Rio Solimões. O capim descia rápido porque a correnteza era muito forte. Mas eu, do alto de minha observação, tinha que arrastar capim para ser rebocado por um cambito preso por uma grande e pesada corda produzida com fibras de juta da cidade de Manacapuru, resultado de longos e abnegados discursos do deputado Jamil Seffair em defesa dessa cultura na tribuna da Assembléia Legislativa. Mas isso não vem ao caso.
O importante é dizer que com meus poucos menos de 30 quilos de peso às costas, tinha que entrar em uma pequena canoa, remar até o capim, jogar o cambito, enganchá-lo na popa da canoa com a corda e rebocá-lo até o local onde o gado de meu pai aguardava ansioso para comer, presos dentro de uma maromba, espécie de curral construído sob as águas em cima de tábuas e cercado com madeira para que o sustento de leite da família não fosse por água à baixo. Era gostoso sentir o vento batendo em meu rosto, chapéu na cabeça e a canoa deslizando suavemente pelas águas barrentas do rio até encontrar-se com meu objetivo: o capim deslizando suavemente!
Dentro de mim, pulsava uma alegria imensa ao ver o capim descendo o Rio Solimões e meu coração batia forte quando entrava na pequena canoa, jogava o cambito e remava de volta à margem puxando-o para alimentar o gado de meu pai, remando contra a correnteza do rio, brisa no rosto, rebocando mato amarrado na canoa. O silêncio e a solidão eram inspiradores, mas só hoje percebi a importância dessas coisas simples e rotineiras que fazia em todas as cheias do rio.
Mas não sabia eu que a cheia também havia chegado à capital e que os jovens soldados do Exército, Defesa Civil e órgãos sociais, se debatiam a atender socialmente aos milhares de moradores das margens dos igarapés que cortavam as ruas. Infelizmente, devido ao “progresso”, poucos igarapés ainda existem em Manaus e teimam em se manter vivos, mesmo que seja só para o deleite futuro de quase ninguém.
Hoje, vejo com tristeza as toneladas e mais toneladas de lixo que são retirados diariamente do leito dos rios e igarapés, jogado pelas pessoas sem consciência ecológica ou respeito pelas águas. Mas as pessoas que residem em áreas de riscos, ou por falta de opção de moradia ou por pura teimosia de dizer que “resido no centro da cidade”, resistem à mudança de casa.
Naquela época, pensava somente em pastorar o capim descendo devido o fenômeno das terras caídas que arrancavam tudo o que encontravam pela frente, e suavemente deslizavam pelas águas do Solimões, como se fosse um tapete de capim balançando ao vento e se dobrando ao tempo!
Fosse hoje, o trabalho de puxar capim na cheia dos rios seria proibido pelos órgãos que “defendem” menores e adolescentes e o gado morreria de fome. Talvez o considerassem trabalho escravo puxar capim para alimentar as vacas de meu pai. Mas não era. Não passava de uma necessidade: ou puxava-se o capim para alimentar o gado e produzir o leite ou se morria de fome.
Gostava de olhar as águas que desciam rápido, destruindo barrancos, arrancando matos e árvores inteiras, prejudicando a navegação de cabotagem ao dia e à noite. Mas era lindo de se ver!
Hoje, talvez, seja por isso que gosto de olhar quadros de pintores regionais que retratam essas minhas lembranças que, quanto maior o tempo, mais me recuso a esquecê-las. Lembrar é viver duas vezes!