Enquanto corria descalço pela empoeirada Rua São Benedito, no bairro do Morro da Liberdade, arrastando “meu carro compactador” feito com três latas vazias de leite Ninho, cheios de areia e um arame passando por dentro delas, unindo-as como se fosse um só, ou correndo empurrando aro de bicicleta ou pneus velhos, imaginando serem meus carros de verdade, meu avô paterno, deixava sua casa na Rua Luiz, no bairro de Educandos, para visitar seus compadres em uma Rua do centro de Manaus, na década de 70.
José Raimundo andava sempre a pé, deslizando em catraias e sentindo a leve brisa do vento em seu rosto. Visitava seus compadres Rodrigo Pereira da Silva e Jorge Pereira da Silva, na Rua José Paranaguá conhecidos no Mercado Adolpho Lisboa, onde comercializavam as galinhas que compravam no motor regional “Barca Dalva” nas comunidades de Varre-Vento e Paraná da Eva para vendê-las no Mercado Municipal, na Capital.
A primeira visita era aos seus compadres, sempre com paletó de linho branco, chapéu na cabeça e um guarda chuva no braço. Era sempre assim que meu avô andava pelas ruas. Se desse e o sol não estivesse muito causticante – o que era muito raro - ainda visitava seu irmão adotivo, João Timóteo, no Bairro Parque 10 de Novembro, andando a pé (era uma distância considerável), ou ao seu amigo João Baré, no bairro de São Raimundo, tomando, mais a vez, a catraia que deslizava saindo de um porto improvisado no bairro de Aparecida.
No final da tarde, voltava para casa, cansado.
Essa era a rotina de meu avô paterno; enquanto, a minha, era frequentar o Grupo Escolar Adalberto Vale, quase em frente ao Batuque da Mãe Zulmira, correr pela Rua São Benedito, no Morro da Liberdade, puxando meu carro compactador ou empurrando aro de bicicleta na alegre companhia de João Couto da Silva. No Grupo, gostava de me acompanhar do colega Roque de Almeida Lima, porque o admirava muito! Ele era um exímio pintor em sua adolescência!
Manaus era emoldurada por um ar de tranquilidade, sem violência, assaltos, invasões de camelôs nas ruas ou outros problemas sociais graves.
Famílias ainda se reuniam em calçadas e dormiam com casas de portas e janelas abertas, conversando em cadeiras colocadas nas calçadas, garantidas essa pelo Secretário de Segurança do Governo Gilberto Mestrinho, Stênio Neves.
A Zona Franca já funcionava desde 1969. As Kombis, conhecidas por “Expressinhos”, circulavam em alguns bairros como Glória e São Raimundo. Ônibus de madeira também circulavam, mas eram poucos e ligavam outros bairros, mas a capital do Amazonas ainda era aquela cidade bucólica, despreocupada, sem qualquer pressa, com menos de 300 mil habitantes naquele ano. José Raimundo, teimoso, quando questionava sua mania de andar sempre a pé, dizia: “e eu lá preciso de ônibus ou Kombi para me locomover. Para quê existe catraia?”
As lojas comerciais do chamado quadrilátero central, formado pelas Ruas Marechal Deodoro, Guilherme Moreira, Dr. Moreira, Emílio Moreira e Theodureto Souto recebiam muitos turistas que caminhavam em busca de novidades eletrônicas, encerravam o expediente da manhã pontualmente às 11h30min e retornavam às 14 horas. Turistas apressados em busca de novidades eletrônicas caminhavam apressados, e eram muitos! As pontes ligando os bairros, encurtando as distâncias, só começaram a ser construídas mais tarde.
Essa era a Manaus de minha infância, calma, tranquila, despreocupada e feliz!