Como não fazia há anos acompanhei minha esposa Yara em uma caminhada matinal ao ar livre, pelo Passeio do Mindu, espaço não restrito a veículos, construído em Manaus pelo prefeito Alfredo Nascimento, mas, hoje, totalmente cheio de prédios de condomínios de apartamentos que ocupam também a via pública como estacionamento privativo demarcado aos moradores.
Vi, com tristeza, tubulações dos prédios despejando suas águas não tratadas dentro do igarapé, bueiro de boca aberta para engolir e mastigar algum caminhante desatento, árvores agora frondosas, lixo pelo caminho, ilhas de canaranas em seu leito...e muitas outras coisas boas e ruins.
Enquanto caminhava de forma lenta, pisando por cima de folhas secas que permaneciam no asfalto quente da manhã, sendo amassadas embaixo de meus pés e produzindo um som estranho como se fosse um protesto contra o abandono. Também via maravilhado, melhorias proporcionadas pelos novos “donos do local”, em forma de obras, enquanto o vento me lambia o rosto!
Mesmo poluído, o igarapé mais longo que corta a cidade de Manaus, contém ainda águas que conseguem correr suavemente em seu leito desviado pela obra, talvez por pura teimosia contra o abandono; protestando contra o mato em seu leito, gritando contra o lixo e ilhas de canaranas e pedindo socorro contra o recebimento, em suas águas, dos esgotos dos condomínios residenciais ou do Distrito Industrial e de muitos bairros sem infra estrutura que surgiram em seu entorno. Felizmente, o Mindu ainda está vivo!
Com todo esse abandono, ainda deu para ouvir canto de pássaros em forma de um lamento triste, agonizante!
Depois da sinfonia dos pássaros, observei que as árvores plantadas há anos na margem do igarapé haviam crescido muito, destacando-se entre elas, os muitos pés de Monguba floridos.
Ao constatar o abandono do local, que já serviu para encontros culturais, apreciava as teimosas plantas com suas folhas caídas ao chão, lixo jogado pelas calçadas, deixado pelos seus frequentadores, as ilhas de areia... tudo pedindo socorro. O Passeio do Mindu fede com suas águas poluídas!
Depois que observei as árvores de Monguba floridos, lembrei de minha infância em Varre-Vento, onde morei até meus nove anos e de meus passeios em lagos, mesmo como contra peso na canoa de meu pai, quando recolhia das águas, as flores das mongubeiras que desabrochavam e se projetaram rumo as águas limpas e transparentes. As levava para casa e minha mãe retirava de dentro delas um algodão e enchia travesseiros que costurava na sua máquina “Singer”.
Caminhava com cuidado, sentindo o frescor da manhã e olhando mais para cima do que para baixo porque, decepcionado com o abandono, senti saudade e me deu tristeza constatar à falta de manutenção, a grande quantidade de canos dos condomínios que despejam águas não tratadas dentro do igarapé e ter a certeza que os pássaros que tantas vezes ouvi cantar, um dia também se rebelarão e desaparecerão, e não mais me permitirão ouvi-los de novo!
Ah que saudades e revolta senti nessa caminhada pelo Mindu. Saudades porque voltei à infância em uma flor de monguba e revolta por constatar um abandono que já esperava. Mas alegre e felicidade por poder acompanhar minha esposa, mesmo que de forma lenta e suave, como o tempo deveria ser também!