Ver saindo fumaça negra pela cobertura de palha da cozinha de minha avó era ter certeza que dona Lucila, vestido longo e cabelo preso com o “pente da vovó”, enrolado no alto da cabeça, cozinhava alguma coisa no fogo. Meu avô estava sentado na cabeceira da enorme mesa para muitas pessoas, usando calça de tergal em cor clara, com uma perna levantada no banco que ocupasse, amassando pimenta em um prato fundo de esmalte e depois misturando com farinha e o levando à boca!
De tanto observar o ritual de meu avô José Raimundo antes de qualquer refeição, decidi também experimentar uma pimenta. Coloquei a murupi na boca e mordi. Fiquei com uma grande queimadura no rosto de tão forte era o seu ardume. Mas aguentei firme e nem lagrimei, mas nunca mais repeti essa maluquice. Em casa inventei que, brincando, havia caído de cara no chão e estava todo com meu rosto todo vermelho!
A fumaça negra que via saindo pela cobertura de palha da cozinha, deixava no fundo da panela uma tisna preta, parecendo mais a cor da noite. Depois, com uso de uma areia fina e água do rio saia tudo, a panela ficava como fora antes, pronta levada ao fogo de lenha novamente.
O fogão em que minha avó fervia comida era uma chapa em ferro fundido, com quatro ou cinco bocas que recebiam as panelas. A fumaça que era produzida pela queima de madeira, deixava tudo na cor negra, mas nada que uma areia fina coletada do leito do Rio Solimões, água e uma boa lavada e areada não resolvessem.
Ah, lembranças gostosas de minhas férias passada na casa de meus avôs, na comunidade Varre-Vento, rodeada de verde e com ar puro devido aos pés plantados de cacau, folhas de rumo, cajá, graviola, goiaba, sapotilha e muitas outras que, se produzissem frutos, só eram consumidas pelas galinhas e porcos criados soltos – os porcos preferiam as sapotilhas por serem doces, as quais eram fuçadas direto da lama que se formava no chão.
Hoje, na cidade, são caríssimas essas frutas! Por que em vez de pêssego, abacaxi e goiaba em caldas não inventaram a sapotilha em caldas? Seria um consumador voraz!
No ano de 1969, quando os astronautas pisaram pela primeira vez no solo lunar, em uma corrida espacial entre os Estados Unidos e a Rússia, que começou em 1955, com Spuntnik 1 e terminou em 1975 com a apollo-sovuz, vi minha avó grudada em seu rádio de pilha, chorando, olhando para o céu, rezando e dizendo que o mundo iria acabar.
Também quando a lua sofria eclipse, minha avó pedia para a meninada bater em suas panelas com força! E não é que isso dava certo mesmo? Dizia que com o barulho feito pelo bater nas panelas, a lua acordava e não se deixava ser devorada.
Minha avó acrescentava que esse ritual era necessário porque estavam querendo engolir a lua. Tanto minha avó Lucila quanto a gurizada que adorava essa algazarra, não sabiam que tudo não passava de um encontro da terra com a lua, em um perfeito alinhamento, estando a terra no meio destes dois corpos solares, com a lua escurecendo por alguns minutos e depois voltando a iluminar.
Durante minhas férias, me divertia tomando banho no rio, comendo frutas, correndo ao ar livre. O Solimões era farto e o banho era com cuia ou uma das panelas nas quais minha avó cozinhava mesmo!
Tudo em perfeita harmonia com a natureza!