“Você já notou que as aves que cruzam os céus de Manaus estão passando
fome?”
Era o advogado Ivo Paes Barreto,
ex-chefe de gabinete do reitor Octávio Hamilton Botelho Mourão, que no final da
década de 70/80, foi o iniciador das obras do Campus Universitário da Ufam –
Universidade Federal do Amazonas quem me fazia à pergunta. Talvez tenha
exagerado em sua observação pertinente, apontando a consequência e não a causa do problema: a
fome dos pássaros é devido ao progresso. Respondi que “já tinha observado sim”! Continuamos conversando depois sobre
outros assuntos correlatos. Ele sentado e eu em pé, com as pernas doendo e as
compras já feitas nas bancas da Feira da
Banana, deixadas pelo chão.
Embora já os tivesse observado e
passei a observar mais ainda pela janela da suíte, pensando nos cinco periquitos verdes, amarelos
todos com uma estrela branca na testa, que ajudei a salvá-los da morte certa, depois
que caíram no meio do asfalto negro cor
da noite da Avenida Efigênio Sales, assustados e estressados com os barulhos
dos foguetes que iluminaram o céu de Manaus na noite do dia 31 de dezembro,
recebendo um novo ano com velhos problemas não resolvidos. Dos que caíram das
árvores em que dormiam e não foram recolhidos para dar-lhes água, muitos foram
cruelmente esmagados pelas rodas carros apressados, apesar das placas pedindo
que reduzam a velocidade por ser área de periquitos. Estava comentando esse fato, com o “Goiano”, dono da banca quando vi o Ivo
sentado e foi até ele. Na banca, compramos
uvas para o café da manhã de todos todos os dias e para periquitos que passaram
a fazer companhia pela manhã e a tarde.
Depois voando para a árvore. Um deles, já escala com o bico o gradil da área técnica
dos condicionadores de ar.
O advogado fez curso de
pós-graduação junto com minha esposa Yara Queiroz, na Unidade Manaus da
Fundação Getúlio Vargas. Ele estava
sentado em uma cadeira enquanto um rapaz moreno, talvez angolano, lhe fazia as
compras e colocava dentro em um carro de mão, muito e
abundante na Feira da Banana, hoje com menos movimento de clientes, talvez
também abatidos pela crise econômica. Yara
pagou pelas uvas e recebi outras como brinde para “os periquitos”, os cumprimentamos e deixamos o local.
Os pássaros de Manaus, principalmente as araras verdes, vermelhas e
amarelas, ainda não passando fome literalmente. Mas também não possuem seus habitats naturais! Hoje, voam sempre em dupla, por cima das
onze torres do Condomínio Mundi, cantando tristes e “olhando para o chão”, como diz a letra da música “Apesar de Você”, de Chico Buarque de
Holanda, não mais por se sentirem oprimidos pelo Regime Militar; mas, sim, pelo progresso que lhes tirou os
espaços naturais e, também, para ver se
ainda encontram um pedaço de floresta para comer, descansar e depois continuar
o voo rumo ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, local em que dormem e depois voltam para
continuar a pesquisa por espaços verdes ainda preservados, “para chamarem de seu” , como fora no passado.
Dr, Ivo Paes Barreto, alimento os
dois periquitos em minha área de serviço enquanto os outros cantam na árvore
que avisto pela janela da cozinha do primeiro andar do Mundi. Ah, como você me
fez recordar tantas outras coisas de nossa convivência, quando trabalhava em A
NOTÍCIA e você era o chefe de gabinete do Reitor e me recebia sempre com um
cordial sorriso. Na saída, quase sempre encontrava com a professora doutora da
Ufam, Arminda Botelho Mourão, filha do reitor e então representante dos
professores da Universidade, sempre defendendo os interesses da classe, mesmo
contrariando os interesses de seu pai.
Ah, que lembranças me causou
nosso reencontro, Ivo Paes Barreto!
http://radiodcjcarlos.caster.fm/
ResponderExcluirMuito lindo!
ResponderExcluirOlá Carlos, Parabenizo você e todos aqueles que abrem seus corações e suas consciencias e se sensibilizam com as questões de nossa fauna e flora, questões estas que passam despercebidas para a grande maioria das pessoas. Observar , procurar entender as causas e se empenhar em minimizar as consequências e graves problemas que recaem sobre a nossa fauna e flora, nos ajuda a rever muitos de nossos conceitos sobre modernidade e progresso. Muito oportuna esta sua bela crônica, parabéns...
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