Para Iraides Costa
Minha esposa entrou em casa e decretou: “hoje, vamos fazer jejum de pão também”. Dito isso, entrei em um turbilhão de lembranças de um passado não tão distante e recordei com saudades de quando:
...comer carne vermelha, varrer casa, quintais ou terreiros? Nunca!
Era sexta-feira santa e todos respeitaram as tradições do passado! Rezar, ver filmes de Cristo e nos emocionar quando deixávamos as salas de projeções, eram as únicas coisas possíveis e permitidas. Era Sexta-Feira da Paixão e ninguém fazia nada! Nada mesmo!
Rádios trocavam músicas das “paradas de sucesso”,que lhes davam audiências, por outras orquestradas, ou religiosas!
Era um dia quase fúnebre! Não se podia nem fazer barulho!
Nós, os adolescentes e eu pelo meio, sempre encontrávamos ou dávamos um jeitinho de entrar nos matos abundantes que ainda existiam em Manaus naquela época, nos anos 70, para escolher árvores que seriam cortadas para montar uma festa de “Judas”, que vendera Jesus por 30 moedas.
Ao centro, colocávamos sempre uma árvore grande para colocarmos o Judas. E a farra começava sempre depois da meia noite, hora em que tudo era permitido!
Minha irmã Iraides, certa vez, inventou uma brincadeira para incrementar à cremação de Judas: deitou-se embaixo de jornais, mandou pingar um monte de mercúrio cromo por cima destes e ainda decidiu que velas deveriam ser acessas para imitar um cadáver. Todos os meninos adolescentes deveriam demonstrar desespero e chorar.
Os raros carros fuscas que passavam pela rua, eram parados, o motorista descia e perguntávamos se ele poderia identificar a “defunta”.
A pessoa, ao levantar o jornal para nos ajudar a identificar a “defunta”, saía erguendo os braços, gritando:
-Ôooooo!
Deve ter motorista correndo até agora pelo que minha irmã aprontava. E tudo era motivo de risadas! Ah, quantas lembranças dos anos em que se podia brincar no meio da rua sem medo!!!!