Faca eu chamava de “carteira de identidade”; revólver 38 era “CPF”; Bereta de pente, a chamava de “identificação policial”.
E assim nominava nas crônicas que escrevia e publicava na década de 80, no Jornal A NOTÍCIA, em plena época da Censura Militar.
Relembrei dessas coisas ao visitar um delegado de polícia e ver todos esses “instrumentos de trabalho” de bandidos sob a mesa dele, dentro de sacos plásticos e devidamente identificados.
Quando segurava a “carteira de identidade” na mão, entrei em um túnel do tempo, relembrando um fato engraçado quando escrevia e publicava crônica ao lado dos excepcionais cronistas Chico Anysio e Guido Fidellis, este funcionário da Petrobras e também cronista de ocasião.
De tanto dar apelido aos “instrumentos de trabalho” e devido à censura da Polícia Federal, “bravamente” representada por Paraguassu Oliveira, decidi dar nomes aos personagens que também passei a criar. Dei vida ao personagem “Eleutério”, um semi-analfabeto, casado com uma socióloga e pai de oito filhos, pretendente a se “dar bem na vida, como político”, um criador de confusões, entrando em festas de carnaval sem pagar por “possuir imunidade parlamentar” e uma “identidade” na cintura, enfim.
Era a maior farra o que eu fazia com as crônicas hilárias que escrevia usando como personagem, o “Eleutério”, para que a censura e o censor não percebessem: como candidato a vereador, já apresentava projetos de lei para pagar a galopante dívida externa de Delfin Neto, o rombo da previdência na gestão de outro Ministro, enfim, ele tinha solução para tudo, mesmo ainda como simples pré-candidato a vereador! Fiz até ele ser atendido pelo SUS para criticar o Governo! Era demais o “Eleutério”! Levava-o para onde pretendia e o envolvia nas mais loucas idéias e confusões mas, ao final, ele sempre se dava bem!
Um dia, descrevendo crônica em que narrava mais uma de suas inúmeras, famosas e desastradas confusões, esqueci a palavra “coronhada” e datilografei a palavra “revolvada”, na máquina Olivetti, línea 98 que possuía na redação. Depois das confusões e sempre precisava de socorro médico e era sempre atendido por amigos, no único hospital público que existia em Manaus naquela época, o Getúlio Vargas.
A crônica passou pelo feroz censor, pelo revisor da redação mais não conseguiu passar pelo voraz leitor dentro do próprio jornal A NOTÍCIA, Wilson, gráfico, que colocou a palavra “revolvada” entre aspas, isso na época da linotipo, quando tudo tinha que ser reescrito e as letras caiam de um balcão, uma a uma, até formarem as palavras. E era Wilson quem a digitava minhas crônicas.
E o pior é que quando desci à gráfica onde era impresso o jornal o Wilson queria a todo custo me conhecer e fui aos linotipistas como eram chamados esses profissionais.Wilson, era meu primeiro leitor e nem eu sabia disso e viera me pedir desculpas por ter colocado aspas na palavra “revolvada”.
Obrigado companheiro Wilson, onde quer que você esteja trabalhando hoje.
Salvou meu domingo!